Título: Índios sob risco
Autor: Seixas, Luiza
Fonte: Correio Braziliense, 15/01/2010, Brasil, p. 8

Caso suspeito em tribo no Amazonas deixa em alerta os agentes de saúde, que vão realizar monitoramento da área para avaliar a possibilidade de uma pandemia na comunidade

Tribo ianomami, próxima à cidade de Santa Isabel do Rio Negro, onde foi registrado o caso suspeito de influenza A (H1N1): resultado deve ficar pronto na próxima segunda-feira

A Fundação Nacional de Saúde (Funasa) divulgou nesta semana a primeira suspeita do ano de influenza A (H1N1)(1) em um indígena da etnia ianomami, no estado do Amazonas. O paciente é um garoto de 10 anos, pertencente a uma comunidade situada a cerca de 100km do município de Santa Isabel do Rio Negro, e se a suspeita for confirmada ¿ o resultado está previsto para sair na próxima segunda-feira ¿ será o terceiro caso da doença na região. Independentemente do resultado, uma equipe médica formada pela Fundação de Vigilância em Saúde (FVS) foi escalada ontem para realizar monitoramento na área rural e indígena do município.

Até dezembro do ano passado foram registrados, em todas as comunidades indígenas do país, cerca de 355 casos. O número começa a preocupar os profissionais que trabalham no setor. A chefe da Casa de Apoio à Saúde do Índio, Elenir Coroaia, lembra que a gripe comum, no passado, foi um dos agentes causadores do desaparecimento de muitos povos indígenas. E, por isso, se a nova doença continuar presente e os casos aumentarem, o resultado pode ser o mesmo. ¿Nós, índios, temos uma convivência diferente, ou seja, mais estreita, e isso pode ser um fator que contribua para um maior grau de contaminação entre as pessoas. Por isso, temos feito orientação e monitorado famílias que chegam de outra região. Recomendamos também àquele que estiver com os sintomas que se afaste, para evitar o contágio¿, diz Elenir.

O coordenador do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Flávio Pereira Nunes, explicou que o órgão vem, desde abril, acompanhando o comportamento da pandemia nas áreas indígenas do país. E, segundo ele, se por um lado a população em geral enfrenta o problema de esgotamento da capacidade de resposta do serviço de saúde, por outro, o caos na população indígena se potencializa devido ao difícil acesso às áreas ocupadas por ela. Por isso, como destacou, a estratégia da fundação, desde então, tem sido identificar a circulação do vírus e criar ações como equipar as unidades de atendimento, disponibilizar remédios e realizar atendimento precoce.

¿Quando identificamos o vírus no Mato Grosso caminhando para o sul do Amazonas e para o leste de Rondônia, intensificamos as ações de vigilância da circulação do vírus. E, a partir do momento em que confirmamos algum caso, vamos atrás de outros doentes, pois sabemos que o vírus está presente e a transmissão é muito rápida. Assim, se identificamos uma gripe, já começamos a tratar como H1N1 e não esperamos a situação ficar mais grave¿, compara Flávio, que disse ainda que essa estratégia ajudou a evitar mortes. ¿Hoje, são registrados 10 óbitos nas Regiões Sul e Sudeste. Não minimizando a importância, mas, dada a vulnerabilidade dessa população a doenças respiratórias e a dificuldade de acesso à saúde, é um resultado que mostra que essa estratégia é capaz de evitar um impacto mais traumático sobre esse grupo populacional¿, completa.

Chuva Ele disse ainda que todos os distritos, desde agosto do ano passado, têm acesso ao tratamento com o Tamiflu. ¿O Ministério disponibilizou o medicamento para a Funasa e as secretarias de saúde. E, à medida que os casos foram surgindo, a gente remanejou o medicamento tanto para as crianças quanto para os adultos. No caso de necessidade, a ordem é não faltar¿, explica. Outra estratégia do órgão é capacitar profissionais. Na Região Sul e Norte, 90 pessoas já estão aptas a realizar a ação de enfrentamento da doença. O próximo treinamento será realizado no Nordeste.

O coordenador fez questão de frisar a importância do fornecimento da vacina. ¿Nós já conseguimos fazer com que o Ministério da Saúde considere os indígenas como uma população prioritária, pois está sendo atingida de maneira mais forte. Agora, é fazer com que a Amazônia, local em que o vírus se mostra presente, seja priorizada. A região está passando por período chuvoso, ou seja, há condições favoráveis de transmissão e a população precisa estar protegida¿, afirma.

Para o representante do Parque Indígena do Xingu, Yakari Kuikuro, o trabalho da Funasa em relação à gripe foi fundamental para que a doença não se espalhasse de forma descontrolada.

1 - Em baixa no Brasil De acordo com o Ministério da Saúde, a gripe está em baixa atividade no país. Na semana entre os dias 22 e 28 de novembro, foram registrados apenas sete casos do vírus H1N1. Na semana de pico, entre 2 e 8 de agosto, foram 4.176 casos. De 25 de abril a 28 de novembro, os estados notificaram ao Ministério 27.850 casos graves e 1.628 mortes causadas pelo vírus. O órgão informou que, juntamente com os estados e municípios, está reforçando a estrutura da rede pública de saúde para o enfrentamento de uma possível nova onda da epidemia. De acordo com a última atualização da Organização Mundial da Saúde (OMS), até 29 de novembro deste ano, um total de 207 países e territórios notificaram casos confirmados de influenza H1N1, incluindo pelo menos 8.768 óbitos.

Nós, índios, temos uma convivência diferente, ou seja, mais estreita, e isso pode ser um fator que contribua para um maior grau de contaminação entre as pessoas¿

Elenir Coroaia,chefe da Casa de Apoio à Saúde do Índio

Nós já conseguimos fazer com que o Ministério da Saúde considere os indígenas como uma população prioritária, pois está sendo atingida de maneira mais forte¿

Flávio Pereira Nunes,coordenador do Departamento de Saúde Indígena da Funasa

Ação chega a R$ 1 bi

Com o objetivo de garantir as doses para a estratégia de vacinação contra a gripe A (H1N1), a ser realizada entre março e abril deste ano, o Ministério da Saúde divulgou na última terça-feira a realização de um acordo com três diferentes fornecedores para a aquisição total de 83 milhões de doses. Os laboratórios enviarão as vacinas ao Ministério de maneira escalonada, entre janeiro e março. O investimento total da ação é de R$ 1 bilhão. Além das doses, foram adquiridas ainda, na mesma quantidade, seringas e agulhas. Até o próximo mês, o órgão anunciou que deverá divulgar, em detalhes, como será realizada a estratégia nacional contra a doença no país.

Pelo contrato, o Fundo Rotatório de Vacinas da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) fornecerá 10 milhões de doses. O laboratório Glaxo Smith Kline (GSK) ficará responsável por 40 milhões, que já foram compradas em novembro. E ao Instituto Butantan foram encomendadas 33 milhões de doses, sendo que a primeira remessa, de 600 mil, deve ser entregue nos próximos dias.

De acordo com o Ministério da Saúde, os grupos prioritários que receberão a vacina contra o vírus serão estabelecidos, seguindo recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), de acordo com critérios epidemiológicos observados durante a primeira onda da nova gripe, a segunda onda em curso no hemisfério norte, e em acordo com sociedades médicas. (LS)

Na expectativa pela reunião

Rafael Ohana/CB/D.A Press Índios que ocupam a Funai desde o início da semana: pedido de encontro com Lula

Desde segunda-feira, índios de várias etnias estão reunidos em Brasília para manifestar contra o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que, segundo eles, reestrutura a Fundação Nacional do Índio (Funai) e acaba extinguindo administrações e postos do órgão que atendiam as demandas das comunidades indígenas. Durante esses cinco dias, eles fecharam a Funai, protestaram em frente ao Ministério da Justiça e, agora, aguardam encontro com o presidente Lula para pedir revogação da medida. Eles querem também que o presidente da fundação, Márcio Meira, seja afastado imediatamente do cargo, pois, como afirmam, ele formulou o documento sem ouvir a opinião dos índios.

¿Essa decisão de Meira surpreendeu a todos nós. As administrações e os postos estavam dando certo e conseguindo atender à demanda da população indígena, e ele acabou com eles sem nos consultar¿, reclama Caboquinho Potiguara. Para o representante indígena, a reestruturação da Funai deveria ter tido uma discussão ampla, como foi feito na criação do Estatuto do Índio. ¿Por isso, agora queremos um encontro com o presidente Lula. Só ele pode anular a decisão. E nós só vamos embora depois dessa conversa¿, completa.

Na quarta-feira, o assessor da Secretaria Nacional de Articulação Social da presidência, Manoel Messias, recebeu os índios e anotou todas as reivindicações feitas por eles. ¿Ele ficou de passar para o presidente e marcar nosso encontro. A data deve ser divulgada amanhã (hoje)¿, disse Jeremias Xavante.

Em Mangueirinha, no interior do Paraná, dezenas de índios guaranis e xetás também estão realizando uma manifestação. Eles bloquearam a rodovia BR-373 e ameaçaram atear fogo às torres de energia da região. Na capital do estado, um grupo de 60 índios da tribo kakané porã permanece na sede da Funai. Eles afirmam que só sairão quando o governo federal se pronunciar. (LS)