Título: Devagar e sempre
Autor: Bellotto , Alessandra
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2009, EU & Investimentos, p. D1

Os fundos de previdência aberta, em que são aplicadas as contribuições feitas aos planos PGBL e VGBL, começaram o ano com desempenho positivo, porém ainda bem abaixo do registrado no mesmo período de 2008. A captação líquida em janeiro foi de R$ 372 milhões, 27% menor do que a verificada um ano antes, aponta relatório do site Fortuna. O volume é o menor registrado em um mês de janeiro desde 2003, segundo o levantamento. E tem relação direta com a crise financeira internacional, que derrubou os preços dos ativos e aumentou a aversão ao risco e a preferência por liquidez.

Os primeiros sinais de desaceleração do setor de previdência aberta apareceram logo após a quebra do banco americano Lehman Brothers, em meados de setembro. Em outubro, um dos piores meses para os mercados financeiros desde o início da crise, a captação líquida dos fundos de previdência diminuiu 71% na comparação com o mesmo mês de 2007, segundo o Fortuna. Em novembro, o recuo foi de 60%. Já no último mês do ano, a captação líquida ficou praticamente estável.

O volume de contribuições aos planos de previdência não mudou, afirma o diretor de vida e previdência da Quorum Saúde, Seguros e Previdência, Marcello Rudge Ribeiro. Segundo o consultor, o que houve foi um aumento dos resgates nos planos individuais do segmento de varejo, que representam 85% do mercado de previdência. "Como a maioria das contribuições está em débito automático em conta, o cliente que precisa de liquidez acaba pedindo resgate", afirma. Não é a melhor alternativa para isso, mas em muitos casos é a única opção que a pessoa tem para fazer frente a um aumento de gastos como ocorre em janeiro, avalia Ribeiro.

Na HSBC Seguros, o diretor de varejo Renato Terzi confirma que o maior impacto provocado pela crise no setor de previdência foi o aumento dos resgates, que atingiram níveis historicamente elevados nos últimos três meses do ano passado. Em janeiro, no entanto, os saques já voltaram aos níveis de setembro, mas ainda estão 30% maiores do que os registrados no mesmo mês de 2008.

"Muitos clientes sacaram o dinheiro da previdência para honrar dívidas com empréstimos, construção de casa e até prejuízos com investimentos mais arriscados", afirma. As pessoas foram surpreendidas pela reversão do cenário de bonança financeira, que marcou o período entre 2003 e meados de 2008, observa.

Na ponta das contribuições, Terzi diz que os recursos continuaram entrando. "São valores que estão no orçamento mensal do cliente; enquanto ele não perde o emprego, as contribuições são mantidas", diz. Ele destaca ainda que, em termos de conquista de novos clientes, o último trimestre de 2008 foi um dos melhores para a seguradora. No grupo HSBC, a previdência é o segmento com um dos maiores índices de fidelização do cliente. "Todo nosso esforço comercial tem como argumento a formação de poupança para o futuro."

Como na HSBC Seguros cerca de 80% dos recursos que entram são de planos de previdência com aportes mensais, o fluxo foi pouco afetado, ressalta Terzi. Na parcela dos 20% restantes, formada por planos com contribuições esporádicas, foi registrada uma pequena redução nos aportes, em função do cenário econômico mais adverso. "Esse cliente, em geral um profissional liberal, preferiu manter o dinheiro em caixa, a liquidez."

O Itaú também apresentou aumento dos saques nos fundos de previdência nos últimos meses por conta crise, mas eles foram concentrados no segmento do grande varejo, segundo o diretor executivo de previdência do banco, Osvaldo do Nascimento. "Notamos que essas pessoas, que tinham saldos menores, resgataram mais do que em períodos anteriores", diz. Nos demais segmentos, em que estão as classes de maior poder aquisitivo, não houve mudança de comportamento, conta o diretor.

O mercado de previdência, destaca Nascimento, foi o menos afetado pela crise, porque a aplicação tem um horizonte de longo prazo e tende a beneficiar quem fica por mais tempo com vantagens tributárias. "Mas, é natural que o cliente que precisa de recursos recorra à previdência." Neste momento de maior instabilidade econômica, observa Nascimento, a capacidade de poupança do indivíduo tende a diminuir, seja pelo aumento do desemprego, seja pela prejuízo financeiro com a depreciação dos ativos. Em janeiro, porém, a captação líquida dos fundos de previdência do Itaú cresceu 10% em relação ao mesmo mês de 2008, diz.

Daqui para frente, a tendência é de normalização, acreditam os especialistas. Na visão do diretor do Itaú, o movimento de corte da taxa de juros tende a beneficiar alternativas de poupança de longo prazo, como a previdência, por conta das vantagens fiscais. "O diferencial de ganho gerado pelos benefícios tributários acaba ficando muito mais visível com o juro baixo", afirma.

Outro fator que pode contribuir para o crescimento da previdência, na opinião de Nascimento, é que, com o juro baixo , o cliente começa a perceber que não há mais ganho fácil e que a formação de poupança vai depender da disciplina de se investir um pouco todo mês.