Título: Cade e as agências reguladoras: convergência institucional
Autor: Chinaglia , Olavo Zago
Fonte: Valor Econômico, 13/02/2009, Opinião, p. A14

Desde a década de 1990, com o incremento da participação privada nas atividades de infraestrutura e com o surgimento das agências reguladoras, são discutidas a conveniência, as possibilidades e as medidas necessárias para fomentar a competição nesses setores. Nesse novo cenário, a concorrência assume o papel fundamental de parâmetro ex ante na estruturação dos mercados e na orientação do comportamento dos agentes econômicos.

As variáveis e os instrumentos mais conhecidos de estratégia regulatória, por sua vez, também cedem espaço, ou são instrumentalizados, para a criação do ambiente concorrencial. Os objetivos do controle de preços, de entrada e saída do mercado e a regulação da informação passam a ser obtidos também por meio da introdução da concorrência. Como produto desse processo destacam-se, de um lado, o reforço do caráter de política pública da defesa da concorrência e, de outro, o surgimento da chamada regulação concorrencial.

Como política pública regulatória, a atuação antitruste deixa de ser apenas uma disciplina de controle, em que vigora uma intervenção corretiva dos mercados, e passa a se notabilizar como criadora de utilidade pública, tipicamente organizativa de alguns mercados. Isso ocorre prioritariamente por dois caminhos.

O primeiro se desenvolve por meio de incentivos à estruturação de um ambiente competitivo. Os setores de infraestrutura (telecomunicações, energia elétrica, transporte, entre outros) são reconhecidos por um conjunto de falhas de mercado que surgem quando: as unidades de produção eficientes são grandes em relação às unidades de consumo; ocorrem custos indiretos e conjuntos; as economias de escala tendem à concentração da produção; o tempo necessário para os ajustamentos é longo; e a falta ou assimetria de informação impera. Nesse contexto a competição pode não ser a regra e sim a exceção. Sua efetividade passa a depender, em alguma medida, de estratégias heterodoxas para se atingir preços competitivos na oferta de determinados serviços ou produtos. Daí surgem as soluções baseadas em compartilhamento de redes de infraestrutura entre diversos agentes, em separação da operação de cada etapa de uma cadeia produtiva, em criação de modelos tarifários pró-competivos baseados em comparações entre empresas reais ou fictícias, ou ainda na intensificação da concorrência nas licitações públicas.

Pode-se citar como exemplo dessas estratégias, que obteve expressivo êxito, a atuação do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) no processo de escolha do consórcio vencedor da licitação da hidrelétrica Santo Antônio no Rio Madeira. Por meio da assinatura de um Termo de Compromisso de Cessação, um dos concorrentes se comprometeu a rescindir contratos de exclusividade com os principais fornecedores de turbinas e geradores para a construção da usina. Com a ampliação da competição decorrente desse ato, houve uma economia estimada em R$ 16,4 bilhões para os consumidores.

A segunda vertente de interação entre concorrência e regulação ganha vigor quando as agências estabelecem procedimentos para análise dos limites e condições para participação de agentes econômicos nas atividades por ela reguladas. Essas medidas podem se traduzir em uma espécie de controle concorrencial de estruturas ex ante quando as normas instituem uma participação de mercado máxima. Nesses casos, a agência interfere diretamente no ambiente concorrencial.

Tais questões, para além dos debates jurídicos em torno dos limites de aplicação da lei antitruste pelos órgãos reguladores, revelam um "problema" de interdependência para a administração pública que, por consequência, exige algum tipo de coordenação entre seus órgãos. Trata-se, desse modo, de salientar a importância de mecanismos de convergência institucional entre o SBDC e as agências. A cooperação e um sistema de divisão e, em alguns casos, compartilhamento de tarefas e informações entre os órgãos públicos, torna-se essencial para conferir eficiência e efetividade para as políticas públicas regulatórias e de defesa da concorrência.

Tendo em vista esse diagnóstico, o Cade constituiu, por meio de resolução, um grupo de trabalho inteiramente dedicado a pensar essas formas de interação e aprimorar a intervenção pública em setores em que a concorrência tem sido alçada a instrumento de desenvolvimento.

Alguns resultados preliminares já podem ser observados: o avanço nos entendimentos entre Cade e Banco Central quanto à divisão de competências para análise de fusões, aquisições e condutas anticompetitivas no âmbito do Sistema Financeiro Nacional; a retomada de entendimentos com diversas agências, incluindo Anatel, Aneel, ANTT, visando à execução de convênios de cooperação técnica; e a organização de agendas comuns com o Ministério de Relações Exteriores, para discussão da interface entre concorrência e defesa comercial, e com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, para avaliação do impacto da competição nas políticas industriais, são alguns exemplos.

Em suma, a defesa da concorrência é uma forma de intervenção do Estado na economia, cujo valor instrumental em relação ao bem-estar da coletividade justifica o diálogo institucional entre o Cade, os órgãos governamentais e os órgãos de Estado, especialmente, no caso destes, as agências de regulação setorial.