Título: Trinta bombas atômicas
Autor: Vaz, Viviane; Sallum, Samanta
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2010, Mundo, p. 19

Especialista da UnB compara destruição a várias explosões nucleares. Embaixador do Haiti em Brasília teme novos abalos

Quem caminha pelas ruas de Porto Príncipe pode comparar os efeitos do terremoto de sete graus de magnitude da terça-feira a uma guerra. Prédios completamente destroçados, pessoas desesperadas tentando resgatar familiares nos escombros ou chorando a perda de entes queridos. Falta água, luz, comida e abrigo para milhares de haitianos, que vagam pelo que um dia foi uma capital em reconstrução.

¿O nível de destruição na área é comparável à explosão, ao mesmo tempo, de 30 bombas atômicas, como as lançadas em Hiroshima na Segunda Guerra Mundial¿, explicou ao Correio o geofísico e professor da Universidade de Brasília (UnB), João Wily. Segundo o especialista, o poder de destruição de um terremoto de magnitude 7 numa área urbana equivale a 18 bilhões de quilos de explosivos detonados simultaneamente. O mesmo que 1 milhão de carretas carregadas de explosivos detonados ao mesmo tempo. Segundo especialistas consultados pela revista alemã Der Spiegel, a energia liberada pelo tremor de terça-feira também pode ser comparada ao impacto de um meteorito de 100m de diâmetro.

A previsão é de que novos abalos ocorram na região nas próximos semanas. O embaixador do Haiti em Brasília, Idalbert Pierre-Jean, revelou ontem sua preocupação. ¿Quando há terremotos, a terra vai de um lado para outro e tem que esperar que a terra volte ao seu lugar. É o que se chama de réplica. É por isso que, segundo sismólogos, durante a noite de ontem, Porto Príncipe sofreu três terremotos¿, disse em coletiva de imprensa na embaixada. A estação sismológica na Amazônia já registrou mais de 30 tremores secundários, entre 4 e 5,5 graus ¿ considerados ainda com alto risco de destruição. ¿Os prédios na região não foram construídos para suportar tremores tão fortes. As próximas vibrações, mesmo que sejam menores, vão provocar novos desmoronamentos, pois o que restou de pé já está com a estrutura abalada¿, lamenta Wily, que coordena pesquisa na base sismológica brasileira instalada na Amazônia.

O palácio presidencial, o prédio onde fica o escritório do Banco Mundial e o da Organização das Nações Unidas em Porto Príncipe desabaram e deixaram vários funcionários desaparecidos. Centros comerciais ficaram totalmente destruídos. ¿Minha irmã fazia compras em um supermercado e ainda estava no estacionamento do local, entrando no carro, quando olhou para trás e assistiu ao prédio do mercado desabar. Ela escapou por um minuto com vida, mas duas amigas de nossa família, que trabalham como gerentes neste mercado, estavam lá dentro quando o prédio caiu. Minha irmã conta que foi terrível, diversas pessoas faziam compras¿, contou a adida cultural da Embaixada do Haiti em Brasília, Norma Cooper, que conseguiu falar com a irmã por celular. Segundo a diplomata, o Haiti conta com cinco empresas de telecomunicações. No entanto, o terremoto causou sérios danos ao sistema.

Segurança A maior prisão de Porto Príncipe também desabou, o que possibilitou a fuga de detentos. A rádio Metropole Haiti informou ontem que muitos pais estão deixando as crianças em hospitais para voltar às suas casas em busca de parentes ou para evitar que sejam invadidas e roubadas.

Questionado pelo Correio, o embaixador reconheceu que o governo tem consciência de que ondas de violência e saques podem voltar a ocorrer no país. ¿Sabemos que, no mundo inteiro, sempre tem gente, infelizmente, que explora e aproveita todas as situações infelizes para se dar bem. Sabemos perfeitamente que existem os chacais, que aproveitam essa situação ou para roubar a ajuda humanitária ou para fazer saques. São pessoas que estão fora de qualquer regra do jogo democrático. Certamente vão se aproveitar. Não é só no Haiti. Isso acontece e acontecerá em qualquer país. Cabe às autoridades haitianas administrar e combater essa delinquência¿, explicou.

O embaixador também conta com a ajuda dos capacetes azuis da ONU para manter a ordem no país. Segundo a adida cultural, os haitianos começavam a sair para as festas à noite, porque se sentiam em segurança. ¿É muito triste isso tudo acontecer logo agora que o nosso país estava se reerguendo com a ajuda de vocês, brasileiros¿, desabafou Norma.