Título: Cepal receita crédito contra protecionismo
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2009, Brasil, p. A5
Os governos da América Latina precisam de melhores condições de crédito externo, para não serem obrigados a adotar medidas protecionistas, alertou ontem o diretor da divisão de desenvolvimento econômico da Comissão Econômica para América e Latina e Caribe (Cepal), Osvaldo Kacef. Um levantamento feito pela Cepal mostra que, apesar do temor de uma escalada protecionista, entre os 32 países latino-americanos, apenas Argentina, Equador e Uruguai aumentaram tarifas ou criaram restrições à importação. Até agora.
"O protecionismo não é uma tendência manifestada na região, mas pode vir a ser", adverte Kacef. "Se a crise se aprofunda e prolonga pode ser uma resposta dos países a uma escassez de divisas." Kacef diz que, para evitar que os países se vejam forçados a restringir o comércio por falta de moeda estrangeira, é importante garantir a continuidade do crédito comercial aos exportadores e ter o apoio, para isso, dos organismos internacionais, e dos países reunidos no chamado G-20 financeiro, das economias mais influentes do planeta.
Kacef comenta que o temor de que uma piora nas contas externas leve a medidas protecionistas fez com que, até hoje, haja preocupação no mercado internacional com a recente tentativa do governo brasileiro de criar maior controle de importações aplicando-se licenças automáticas a quase 3 mil produtos. A decisão, embora tenha sido cancelada pelo governo, causou a impressão de que a situação das contas externas brasileiras poderia ser pior do que parece, afirmou o economista da Cepal.
O Brasil está, porém, entre os países que têm os instrumentos mais eficazes para combater os efeitos da crise, segundo avaliam Kacef e o economista-sênior da divisão de Desenvolvimento Econômico da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento das Nações Unidas (Unctad), Alfredo Calcagno. Grande parte dos países no continente latino-americano apelou para medidas de provisão de liquidez em moeda nacional (com injeção de recursos públicos no sistema financeiro), programas sociais e diminuição de impostos e aumento de subsídios, segundo o levantamento feito pela Cepal.
Para o economista da Cepal, a baixa penetração do sistema de crédito nas economias latino-americanas faz com que as iniciativas de aumento de liquidez tenham efeito reduzido como estímulo à retomada do crescimento. A redução de impostos e aumento de subsídios também não trazem consigo a garantia de que a renda obtida pelos beneficiados das medidas será usada no consumo, incentivando a produção. Esses dois tipos de medidas têm grande popularidade entre os governos da região porque são mais fáceis e rápidos de executar, comenta Kacef. A garantia de liquidez foi essencial para restaurar o funcionamento do sistema financeiro, diz.
Outras medidas, que dependem das condições dos orçamentos dos países, têm maior impacto no consumo e investimento: as políticas de transferência de renda, das quais o programa Bolsa Família, do Brasil, é o exemplo mais bem sucedido, e os investimentos em infra-estrutura - que exigem, porém, que os governos tenham projetos adiantados para que as decisões de investimento no setor sejam executadas e exerçam influência real na economia.
Para Kacef e Calcagno, as instituições de financiamento internacional, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional têm de alterar seu modo de operar, para permitir aos países aumentar gastos orçamentários como forma de superar os efeitos da crise. Os países latino-americanos, em grande auxiliados pelos altos preços das commodities que exportam, mantiveram, em geral, políticas fiscais sólidas, com repetidos superávits, que se tornaram déficits no ano passado, com a crise. Na Argentina, por exemplo, o superavit já tem cinco anos de existência. Exigir uma contração dos gastos agora seria bloquear a saída para a crise, defendem os economistas.
O aumento de gastos e de estímulo à demanda deve ser, porém, coordenado entre os países, para evitar desequilíbrios, alerta Calcagno. Sem coordenação, países com políticas econômicas mais expansionistas podem esbarrar em obstáculos ao comércio criados pelos vizinhos e sofrer pressão por importação de produtos de países onde o mercado seja mantido em desaceleração, explicam. "Como na União Europeia, é preciso haver coordenação das políticas na região, para evitar reações protecionistas", avisa Calcagno.
As políticas ideais em reação à crise, segundo Kacef, são aquelas que "focalizam" gastos, para grupos com maior carência e maior propensão a consumir, criando incentivos aos investimentos. "Tudo isso leva tempo", ressalva ele, "e as condições dos países para adotar medidas são muito limitadas." O economista da Cepal diz estar "mais pessimista" em relação às perspectivas de crescimento nos países latino-americanos, especialmente México e nações centro-americanas, mais dependentes da economia dos Estados Unidos.
No fim do ano passado, a Cepal apostava numa recuperação da economias da região no segundo semestre. Agora, essa recuperação é incerta, devido às dificuldades encontradas pelo governo Obama para aplicar seu plano de resgate econômico. A América Latina deve crescer menos de 2% neste ano, e os países sul-americanos terão crescimento pouco superior a 2%, entre eles Brasil, Argentina e Chile, prevê Kacef