Título: Mortos em missão de paz
Autor: Luiz, Edson; Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2010, Mundo, p. 20

Das 12 vítimas brasileiras confirmadas, 11 eram militares que participavam do plano da ONU de manutenção da ordem no país

Pelo menos 11 militares brasileiros morreram no terremoto da terça-feira enquanto estavam em missão nas ruas de Porto Príncipe. Até a noite de ontem, outros sete continuavam desaparecidos sob os escombros do Quartel da Minustah, a missão da Organização das Nações Unidas (ONU) no país, e no Forte 22, no bairro de Cité Soleil. Sete integrantes das forças do Brasil foram feridos e receberam atendimento no Hospital da missão argentina. A maioria dos mortos era integrante do 5º Batalhão de Infantaria Leve, sediado em Lorena (SP), e iria retornar ao país nos próximos dias.

Segundo o chefe de comunicação social do Exército, general Carlos Alberto Neiva Barcellos, o número de mortos pode subir nos próximos dias, já que há desaparecidos, e o deslocamento dentro da capital está muito complicado por conta dos escombros. ¿As instalações da base brasileira não sofreram grandes avarias. Todos os militares que se feriram ou perderam a vida estavam em destacamentos em missões, nas ruas de Porto Príncipe¿, revelou.

Entre as vítimas, estão sete militares do 5º Batalhão de Infantaria Leve. Duas outras baixas foram registradas no 2º Batalhão de Infantaria Leve, de Santos, e um era do 37º Batalhão de Infantaria Leve, em Lins (SP). Um militar da Minustah, o coronel Emilio Carlos Torres dos Santos, do gabinete do Comandante do Exército, em Brasília, também não sobreviveu ao terremoto. O oficial estava em sua segunda missão no exterior. A primeira foi em 2005, justamente no Haiti, para onde havia retornado havia menos de um ano. Os demais serviram durante seis meses em Porto Príncipe. Entre os desaparecidos, está Luiz Carlos da Costa, o brasileiro com o mais alto posto nas Nações Unidas, que atuava como auxiliar do tunisiano Hedi Annabi, chefe da missão da ONU no país. O corpo de Annabi foi encontrado ontem à tarde.

Segundo Barcellos, ainda não há previsão do translado dos corpos para o Brasil, devido à própria situação precária do país. Segundo o Ministério da Defesa, os deslocamentos motorizados, até o momento, estão praticamente inviabilizados em razão da grande quantidade de escombros nas ruas de Porto Príncipe. Tal fato, segundo o ministério, aliado à escuridão e à falta de energia elétrica, tem prejudicado a avaliação da real extensão dos danos.

Solidariedade

No início da tarde de ontem, antes de embarcar para Porto Príncipe, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, se solidarizou com os militares, por meio de nota. ¿Sob o impacto da tragédia que se abateu sobre o povo do Haiti, presto meu tributo especial aos militares brasileiros que tombaram no cumprimento da missão delegada, antes de tudo, pelo povo brasileiro: levar a solidariedade e o calor da nossa gente aos irmãos haitianos¿, disse o ministro. No comunicado, Jobim lembrou da médica Zilda Arns, também morta na tragédia (leia mais na página ao lado). ¿Eles (os militares) carregavam em seus corações um pouco do amor e da compaixão semeada por Zilda Arns¿, afirmou Jobim.

Segundo ele, os militares estavam no Haiti movidos pelo interesse no crescimento pessoal, trazidos pelas novas experiências e, especialmente, pelo esforço solidário para tornar o mundo melhor e mais seguro aos seus semelhantes. ¿Esse é o grande legado que nos deixam esses homens e mulheres sacrificados pela missão no Haiti. E a eles prestamos as nossas homenagens.¿

Dos cerca de 1,3 mil brasileiros no país, 1.266 são militares servindo nas forças de paz da ONU. Em nota, o Ministério da Defesa afirmou que os militares atravessaram a madrugada de ontem em trabalhos de resgate de companheiros soterrados e no auxílio à população local. ¿Um sem número de pessoas vem se deslocando para a base brasileira à procura de ajuda, água e alimento, e as forças brasileiras têm feito tudo, dentro do que é possível no caos que se instaurou no país, para ajudar o povo haitiano¿, revelou o general Barcellos.

População de Lorena em luto

Maria Fernanda Seixas

No Brasil, é na pequena cidade de Lorena, no interior de São Paulo, que acontece a maior comoção pela catástrofe ocorrida no Haiti. Dos 12 brasileiros mortos contabilizados até a noite de ontem, sete pertenciam ao 5º Batalhão de Infantaria Leve (5º BIL), sediado na cidade. Desses, boa parte voltaria para o Brasil no próximo sábado. Para Mirian Alaya Xavier, 50 anos, prima do soldado Tiago Alaya Detimermani, 23 anos, uma das vítimas, a tragédia tão próxima da data de retorno dos rapazes agravou ainda mais a dor dos parentes e amigos. ¿Tiago era um rapaz super calmo, bom. Era casado, mas ainda não tinha filhos. É difícil acreditar nisso tudo. Foi por muito pouco que ele não escapou do terremoto¿, disse ao Correio. O pai do rapaz, em entrevista à imprensa, afirmou que o filho honrou a farda, mas que isso não diminui a dor da família.

Outra vítima da tragédia que também servia ao 5º BIL de Lorena, o cabo Douglas Pedrotti Neckel, 24 anos, deixou em seu perfil virtual no site de relacionamentos Orkut uma mensagem para os amigos, comemorando o retorno próximo. ¿Em breve!! Casa!¿, escreveu na página principal de seu perfil, com uma mensagem que pedia para que as pessoas se ajudassem mais em busca de paz. Os amigos do cabo o homenagearam declarando luto em seus perfis, no mesmo site. Uma prima do rapaz, Ana Paula Pedrotti, afirmou que em suas últimas férias no Brasil, em 2009, Douglas disse que estava tendo muitas lições de vida na missão.

O clima de luto afetou não só os familiares e amigos das vítimas, mas toda a cidade, onde foi declarado luto oficial de três dias. ¿O Exército está aqui há 100 anos e a cidade tem uma relação muito forte com ele. É um fato consternador para todos. Estamos em contato permanente com o batalhão de infantaria e com os familiares¿, declarou à reportagem o prefeito de Lorena, Paulo César Neme.

¿Nas ruas, só se fala disso. O clima está triste porque aqui é muito pequeno, então acaba que todo mundo meio que se conhece. A cidade parou¿, contou Cristiane Espíndola, 25 anos, vendedora de uma loja que comercializa fardas para o Exército e que se localiza exatamente em frente à sede do 5º Batalhão de Infantaria. Segundo a jovem, houve grande movimentação de pessoas no local durante todo o dia. ¿Os rapazes (mortos) inclusive compraram as fardas com a gente antes da viagem. Eram todos muito educados e calmos. É uma pena¿, lamenta.

¿Ele cumpriu seu dever¿

Isabella Araújo

João Pessoa ¿ ¿Quando eu vi pela televisão a tragédia, comecei a orar.¿ A intuição do senhor Amaro Augusto, pai do 2º sargento do Comando do Batalhão Brasileiro, Davi Ramos de Lima, 37 anos, que estava na primeira missão internacional no Haiti, foi confirmada à 1h30 de ontem, por um telefonema. Um oficial do Exército do 5º Batalhão de Infantaria Leve, com sede em Lorena (SP), informou que Davi Lima estava entre os brasileiros mortos no terremoto que assolou a cidade de Porto Príncipe.

Apesar de abalada com a notícia, a família expressou consolo em saber da paixão que o militar tinha pelo trabalho que exercia na missão de paz pela Organização das Nações unidas (ONU). ¿Ele tinha muito orgulho de participar dessa missão e com certeza o nosso sentimento é de que ele cumpriu seu dever¿, disseram o irmão e a cunhada do militar, Ari Lima e Nadja Pessoa, que moram em João Pessoa e estão embarcando no próximo sábado para São Paulo, a fim de acompanhar a chegada do corpo. A intenção da família é que o enterro seja feito em João Pessoa.

O sargento Davi Lima relatava uma estranheza com o grande contraste social do Haiti: ¿Enquanto havia locais de extrema pobreza, ele via poucos lugares que concentravam luxo¿, relata o irmão. Pernambucano de Garanhuns, Davi deixou a esposa, Fernanda, e dois filhos, de 4 meses e 7 anos. Ele também era padrasto de uma adolescente de 14 anos. A última vez em que esteve no Brasil foi no ano passado, quando veio visitar rapidamente o filho recém-nascido.

Vítimas

Confira os nomes dos militares brasileiros que morreram na tragédia

5º Batalhão de Infantaria Leve, sediado em Lorena (SP)

1º Tenente Bruno Ribeiro Mário 2º Sargento Davi Ramos de Lima 2º Sargento Leonardo de Castro Carvalho Cabo Douglas Pedrotti Neckel Cabo Washington Luis de Souza Seraphin Soldado Tiago Anaya Detimermani Soldado Antonio José Anacleto

Gabinete do Comandante do Exército, sediado em Brasília

Coronel Emilio Carlos Torres dos Santos

2º Batalhão de Infantaria Leve, sediado em São Vicente (SP)

Cabo Arí Dirceu Fernandes Júnior Soldado Kleber da Silva Santos

37º Batalhão de Infantaria Leve, sediado em Lins (SP)

Subtenente Raniel Batista de Camargos