Título: O petróleo e a crise
Autor: Lima , Haroldo
Fonte: Valor Econômico, 19/02/2009, Opinião, p. A12

Institutos e empresas do setor do petróleo e gás corrigem suas previsões para 2009, em função da crise econômica. A Cambridge Energy Research Associates, Inc (CERA), que previra um acréscimo de 1,5 milhão de barris/dia na demanda de petróleo para este ano, calcula agora uma retração de 330.000 barris/dia. A International Energy Agency (IEA) reduziu sua previsão em 670.000 b/d, sinalizando uma demanda média de 86,5 milhões de b/d. A Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) acaba de fazer estimativa semelhante, a demanda cairia em 600.000 b/d e ficaria em 85,1 milhões b/d, na média.

A partir dessas retificações, entidades apontam possíveis consequências. Os investimentos em fontes alternativas de energia serão diminuídos, pois, com os baixos preços do petróleo, os combustíveis renováveis perdem o grande interesse comercial, embora continuem necessários na contraposição ao aquecimento global. A consultoria britânica New Energy Finance avalia que em 2008 cerca de US$ 148 bilhões foram investidos em fontes energéticas renováveis, mas que em 2009, haverá "queda acentuada" desse valor. A CERA prevê ainda que projetos "de mais alto custo" serão adiados ou suspensos, como os que envolvem óleos pesados, águas profundas na parte americana do Golfo do México, offshore no Brasil, em Angola, na Nigéria e nas areias betuminosas do Canadá.

Mas, por enquanto, não é isto que acontece. As grandes petroleiras naturalmente sentem o impacto da crise, mas sua atitude, especialmente frente aos projetos "de mais alto custo", que são os de longo prazo, como os do pré-sal brasileiro da Bacia de Santos, não leva em conta apenas o preço conjuntural do óleo.

Nestes primeiros dois meses do ano, a Anadarko Petroleum, considerada das maiores empresas "independentes" do setor, que tem experiência no pré-sal do Golfo do México e já fez descoberta no pré-sal da Bacia de Campos, informou sua decisão de destinar US$ 100 milhões, em 2009, para o pré-sal brasileiro. A British Gás (BG Group), maior parceira da Petrobras no pré-sal, externou sua pretensão de investir em Tupi US$ 4 bilhões nos próximos três anos. A estatal portuguesa Galp Energia, que também tem sociedade com a Petrobras no pré-sal, revelou sua disposição de fazer dessa região sua principal área de investimento, "pelos próximos anos". A propósito, a Reuters divulgou, em 14 deste mês, a seguinte declaração do presidente da Galp, Manuel de Oliveira: "Ai de nós se deixarmos de pensar numa escala de décadas só porque temos uma crise que nos vai afetar durante alguns trimestres!"

A deficiência de investimentos, sobretudo em infraestrutura, explica, em grande parte, os pequenos índices de crescimento do Brasil nas últimas duas décadas. Em 2006, seu investimento em relação ao PIB foi de 21%. Inferior à Rússia, da Índia e da China, que atingiram taxas de 33,5%, 29,3% e 47,8% respectivamente. Os índices de desenvolvimento desses quatro países ficaram em 2,9%, 6,7%, 8,2% e 10,2%, o Brasil em larga desvantagem. Assim, foi em muito boa hora que o governo federal lançou, no começo de 2007, seu Plano de Aceleramento do Crescimento, o PAC, para coordenar investimentos de R$ 503,9 bilhões nos quatro anos seguintes. Do montante previsto, 54,6% destinava-se à área energética.

Quando esta crise, de origem externa, obriga-nos a refazer cálculos, o governo federal toma medidas para facilitar créditos, preservar a adimplência e, sobretudo, investir. Na exploração e produção de petróleo e gás no Brasil de hoje, investir é irrecusável. O recente anúncio dos investimentos da Petrobras vem nessa direção: US$ 174,4 bilhões, a serem feitos de 2009 a 2013, dos quais US$ 104,6 bilhões em exploração e produção, incluindo US$ 28,9 bilhões no pré-sal. Até 2020, no pré-sal, prevê-se US$ 114 bilhões. A revista britânica The Economist chamou o programa que contém esses números de "ambicioso para o momento". Ruim seria se fosse tímido.

A desenvoltura com que os países e as empresas vão aos investimentos em petróleo e gás depende de terem às mãos um horizonte de grandes descobertas com baixo risco, como no pré-sal, e de terem segurança na viabilidade de seus projetos com o preço do óleo reduzido. No que diz respeito ao preço a partir do qual a atividade produtora estaria comercialmente viabilizada - break even - a situação mais delicada é a dos países muito dependentes da produção e exportação do petróleo. Com exceção do Qatar e Arábia Saudita, que equilibrariam seus orçamentos com um preço do óleo a partir de US$ 30 por barril, outros países precisariam de uma recuperação desse preço. Rússia, Irã e Venezuela, teriam um break even da ordem de US$ 60.

A crise sistêmica atual atinge a todos, mas de forma diferenciada. Quem tem fundamentos econômicos mais sólidos aparece com melhores condições de enfrentá-la, como o Brasil. Definindo bem suas prioridades, formas e ritmos, o país deve perseverar na abordagem de seus grandes projetos e tratar de sua pauta energética, onde estão a definição do marco regulatório do "pré-sal", a continuidade do esforço exploratório e produtivo no pré-sal e, no conjunto do Brasil, os estudos geológicos das bacias sedimentares, a construção de gasodutos e refinarias, a maior incorporação na matriz energética do etanol, do biodiesel, sem esquecer da fonte nuclear.

O risco estará sempre presente na conjuntura atual de incertezas econômicas e políticas. Mas as crises muitas vezes ensejam oportunidades que, devidamente aproveitadas, podem levar países a patamares superiores. Uma das previsões refeitas pela IEA diz que o consumo mundial de petróleo previsto para 2030 será rebaixado, de 116,3 milhões b/d para 106,4 milhões. E diz que a participação dos países mais ricos nesse consumo sairá dos 59%, registrados em 2007, e passará a "menos de um terço"! Depreende-se que os "emergentes" seriam responsáveis por todo ou quase todo o aumento do consumo de petróleo previsto nos próximos vinte e dois anos! Haveria crescimento dos "emergentes" e estagnação dos mais ricos. A crise pode se transformar em oportunidade.

Haroldo Lima é diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis.