Título: Desafio da panela de pressão
Autor: Feuerwerker, Alon; Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 14/01/2010, Mundo, p. 24

Desde 2004, as Forças Armadas brasileiras enviaram mais de 13 mil militares ao país caribenho. Sem medidas efetivas que garantam o desenvolvimento econômico, porém, missão de paz não será completa

A presença no Haiti é o mais importante movimento estratégico do Brasil para assumir na plenitude a liderança regional. É essencial para alavancar o país ao protagonismo planetário. Líder sem área de influência não existe. É comum a missão dos nossos militares no Haiti ser reduzida nas análises a um expediente para alimentar a ambição brasileira por um lugar no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). A realidade é bem mais complexa.

O Brasil desembarcou no Haiti com a missão de estabilizar politicamente o país. Para os Estados Unidos, as vantagens da ¿solução brasileira¿ sempre foram evidentes. Melhor ter ali tropas verde-amarelas comandando o contingente da ONU do que precisar mandar os braços armados de Tio Sam. Até porque eles não estão sobrando. Mesmo se estivessem, a imagem de soldados americanos em operações fora de seu país sempre será vista com desconfiança, ainda que os propósitos sejam declarados 100% humanitários e tenham a cobertura das Nações Unidas.

Por isso, desembarcamos em Porto Príncipe. Seria, entretanto, um erro concluir que nossos militares foram para lá contrariados, forçados. Ao contrário, a operação oferece às Forças Armadas uma oportunidade única de colocar tropas em situação de combate. E em ambientes não tão distantes da nossa realidade. Desde 2004, mais de 13 mil soldados e oficiais do Brasil participaram da missão. E encontraram situações semelhantes às eventualmente enfrentadas aqui.

Desde 2004, o Brasil já investiu mais de R$ 700 milhões no Haiti. A ONU devolveu ao governo brasileiro menos de R$ 300 milhões. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, fez questão de dizer no fim do ano passado que o reembolso vinha aquém do necessário.

Hidrelétrica

Além de funcionar como elemento estabilizador e manter a paz, a missão brasileira previa, antes do terremoto, uma segunda etapa: o desenvolvimento econômico. O Brasil pretendia construir uma hidrelétrica em Porto Príncipe, a capital. O projeto inicial elaborado pelo Exército foi orçado em quase R$ 5 milhões. A obra completa da usina hidrelétrica de Artibonite deveria consumir 50 vezes mais.

O governo brasileiro pretendia levar neste ano o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) para o Haiti. Em outubro de 2009, uma missão da Agência Brasileira de Cooperação (ABC), ligada ao Ministério das Relações Exteriores, viajou até Porto Príncipe para apresentar detalhes do projeto e fazer um diagóstico dos problemas.

Agora, tudo passou ao terreno da incerteza. Mas pelo menos sobre uma coisa os militares brasileiros envolvidos na operação sempre manifestaram certeza absoluta, ainda que conversas reservadas: sem medidas efetivas para propiciar desenvolvimento econômico, geração de empregos e distribuição de renda, não seria possível concluir bem a missão. Seria como tentar evitar indefinidamente a explosão de uma panela de pressão, com a válvula quebrada, sem apagar o fogo.

Do ponto de vista estritamente militar, a missão tem sido um sucesso. Especialmente por dar combate e circunscrever a ação das gangues e milícias. Mas essa era a realidade antes do terremoto. Como as tropas vão atuar numa situação em que a infraestrutura deixou de existir, o Estado foi literalmente pulverizado e há milhões de pessoas sem serviços mínimos, sem comida, sem água, sem remédios, sem casa?

Talvez o Haiti tenha se transformado no maior desafio militar do Brasil desde a Força Expedicionária Brasileira (FEB), na Segunda Guerra Mundial.

O número Repasses Nos últimos seis anos, o governo federal investiu mais de R$ 700 milhões no Haiti. Desse valor, a ONU devolveu à União menos de R$ 300 milhões