Título: Prêmio de risco dos EUA bate recorde
Autor: Lucchesi, Cristiane Perini
Fonte: Valor Econômico, 20/02/2009, Finanças, p. C1
Os prêmios de risco de crédito dos países ricos, que antes da crise financeira internacional ficavam abaixo dos 10 pontos básicos, hoje se aproximam de 100 para o prazo de cinco anos. E a alta mais forte foi recente: seus níveis mais do que dobraram desde o início de dezembro do ano passado, para recordes históricos. No mesmo período, o risco-Brasil não subiu nem 6%. Os spreads de risco de crédito sinalizam a percepção dos mercados sobre a probabilidade de não-pagamento da dívida por um país.
A alta dos prêmios dos países ricos foi tão forte que o risco-Estados Unidos, o risco-Alemanha e o risco-Japão, para citar apenas três países, estão hoje bem acima dos níveis mínimos a que chegou o risco-Brasil, em meados de 2007. O risco-Estados Unidos, que era de 7 pontos em 1º de maio do ano passado, chegou a bater em 94 pontos básicos no dia 17, um aumento de 170% na comparação com os 34,9 pontos do dia 1 de dezembro. Ontem, se manteve elevado, mas caiu para 90 pontos básicos.
O risco-Japão, de não mais do que 11 pontos em maio de 2008, atingiu 120,7 pontos básicos no dia 17, 222% a mais do que no início de dezembro. Ontem, finalizou o dia a 101,5 pontos básicos. Já o risco-Alemanha, que se mantinha em 5 pontos básicos, foi ao seu recorde histórico ontem, atingindo 85,6 pontos básicos, um aumento de 215% desde dezembro.
O risco-Brasil em seu nível mínimo, atingido em 19 de junho de 2007, chegou a ser tão baixo quanto 61,4 pontos básicos. É verdade que o mercado naquela época era outro e sobrava liquidez. Mas o Brasil ainda era percebido como investimento especulativo - não tinha o selo de grau de investimento da Standard & Poor"s e da Fitch Ratings obtido em 2008.
Ontem, o risco-Brasil terminou a 362,8 pontos básicos. O risco-Portugal foi a 144,6 pontos básicos e o risco-Itália chegou aos 184,7 pontos básicos.
"É verdade que temos visto uma piora nos balanços dos governos dos países desenvolvidos, um aumento de grandes proporções na dívida pública e na emissão de moeda para administração da crise", afirma Armínio Fraga, sócio do Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central. Mas, segundo seus cálculos, o mercado está projetando uma probabilidade de moratória maior do que 1% ao ano para os EUA, Japão e Alemanha, "o que não parece ser razoável".
Para ele, o mercado está superestimando a chance de esses países não pagarem suas dívidas ."Essa probabilidade não é tão relevante como sinalizam os números", diz. Fraga percebeu a puxada e ficou tão surpreso com ela que chegou a citá-la em palestra durante seminário.
"Há a percepção de que os governos vão se endividar muito mais, o que tem forçado a compra de proteção contra o não-pagamento dessa dívida", diz. O instrumento usado é o swap de crédito (credit default swap, o CDS). Com a demanda maior por proteção, o prêmio de risco sobe. Ele avalia, no entanto, que a deterioração nas contas públicas dos países ricos com o socorro a instituições financeiras, programas de aumento de gastos e corte de impostos para estímulo econômico, além da injeção de liquidez nos mercados interbancário e de títulos privados, não justificam toda a alta nos prêmios de risco.
No seu entender, também tem contribuído para a piora "um medo muito grande no mercado em geral", que traz um aperto de liquidez. "Não acho que o mercado esteja normal", avalia. No mercado de derivativos de balcão, onde contratos são fechados entre as duas partes, há o risco de não-pagamento da própria contraparte. E esse risco tem crescido, segundo Fraga. Com os prêmios de risco em alta, a necessidade de depósitos de garantias nesse mercado também se torna maior, trazendo um ainda maior aperto de liquidez, nota o ex-presidente do BC. "Há fatores técnicos envolvidos, sem dúvida", diz.
Segundo também notou Fraga, a curva de juros dos títulos do Tesouro americano está com inclinação positiva para prazos mais longos, um sinal de que o mercado já acredita em inflação no médio e longo prazos. "O governo dos EUA não para de imprimir moeda", brinca John Welch, economista global do Itaú. Segundo ele, a base monetária no país passou de US$ 900 bilhões antes da crise para níveis em torno de US$ 2,6 trilhões neste momento. "Isso, aliado à taxa de juros zero, é o chamado afrouxamento quantitativo", diz. "Nos Estados Unidos, eles têm metas para tentar elevar a inflação e impedir a deflação, o que parece incompreensível no Brasil", comenta.
Para Welch, metade dos gastos que o novo governo dos Estados Unidos pretende fazer não deve estimular o crescimento econômico e o mercado está desanimado também por causa disso. "E alguém vai ter de pagar por esses gastos no futuro", diz.