Título: Latinos tentam se proteger e caem nas mãos de Madoff
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Fonte: Valor Econômico, 20/02/2009, EU & Investimentos, p. D2

Investidores da América Latina que mantinham recursos no exterior para escapar da instabilidade financeira em casa viram suas estratégias serem frustradas depois que confiaram em R. Allen Stanford e Bernard Madoff, supostamente envolvidos em uma fraude bilionária.

Venezuelanos podem ter investido até US$ 3 bilhões com Stanford, que os Estados Unidos acusaram de cometer uma fraude de US$ 8 bilhões, segundo a autoridade reguladora do setor bancário da Venezuela. Na Argentina, poupadores provavelmente canalizaram US$ 400 milhões para Bernard Madoff, de comandar um esquema de pirâmide de US$ 50 bilhões, segundo Osvaldo Prato, um advogado que representa investidores.

"Nunca pensei que isso iria ocorrer, muito menos com um banco como o Stanford, que tinha um bom nome", diz Celia Daniel Metta, 48, que estava ontem entre os cerca de 20 clientes reunidos do lado de fora de uma subsidiária do Stanford na Cidade do México. "O dinheiro da gente não está mais seguro em lugar nenhum."

As perdas nos investimentos de Stanford e Madoff poderão levar os latino-americanos a buscarem refúgio em aplicações mais transparentes e menos arriscados, afirma Alberto Ramos, economista sênior para a América Latina do Goldman Sachs, em Nova York.

"A América Latina foi atingida por crises financeiras crônicas nas últimas décadas", lembra Alfredo Coutino, economista sênior para a América Latina da Moody"s Economy.com. "Todo o dinheiro que os investidores tinham na região foi praticamente eliminado. Eles aprenderam que uma maneira de se protegerem era colocar seu dinheiro em moedas estrangeiras."

Nos últimos dois dias, investidores tomaram os escritórios das subsidiárias do Stanford na Venezuela, México, Peru, Panamá e Equador, para exigirem seu dinheiro de volta. Clientes do Stanford Group Venezuela Asesores de Inversion foram informados que suas contas estão congeladas, segundo Carlos Araujo, consultor financeiro de Caracas que disse ter US$ 80 mil aplicados em certificados de depósito emitidos pelo banco do Stanford em Antigua. "Terá de haver uma liquidação dos ativos e depois vamos saber qual percentual de nosso dinheiro teremos de volta", disse ele na quarta-feira, depois de se encontrar com o executivo responsável por sua conta. "Isso vai levar alguns meses."

Ligações telefônicas feitas pela Bloomberg para a subsidiária do Stanford em Caracas não foram retornadas ontem.

Governos da América Latina se apressaram a reagir à denúncia contra Stanford, cuja sede fica em Houston, no Texas. Ali Rodriguez, ministro das Finanças da Venezuela disse a jornalistas, na quarta-feira, que vai agir para impedir qualquer "alarme" que possa provocar uma corrida aos bancos venezuelanos.

Na Colômbia, a autoridade reguladora do mercado financeiro disse que a corretora de valores do banco Stanford vai interromper as atividades na bolsa de valores do país, como medida "preventiva". Escritórios do Stanford, em Quito, Cidade do México e Cidade do Panamá estiveram fechados na quarta-feira e clientes foram informados sobre a investigação que está sendo feita nos Estados Unidos.

Ao longo das décadas de 1980 e 1990, a América Latina sofreu desvalorizações cambiais periódicas, falências bancárias e hiperinflação, o que minou a confiança dos investidores nos investimentos na região, lembra Ramos do Goldman Sachs.

Em 1990, o então presidente brasileiro Fernando Collor confiscou os depósitos bancários como parte de um programa de combate à inflação, que havia atingido 6.821%. O México teve de socorrer os bancos em 1995, depois que o peso perdeu 32% de seu valor.

No fim dos anos de 1990, o setor financeiro da Colômbia mergulhou em sua pior recessão em 60 anos, depois que os empréstimos ruins dispararam e o crédito secou. Bancos foram nacionalizados e o desemprego subiu para 20%.

A Argentina deu calote em uma dívida de US$ 95 bilhões no fim de 2001e limitou os saques nas contas bancárias para impedir uma corrida aos bancos. O peso perdeu mais de 66% de seu valor contra o dólar no ano seguinte.

Em resposta à instabilidade, indivíduos afortunados e empresas começaram a acumular riqueza fora de seus países. Somente no Brasil, os ativos (não só financeiros) mantidos offshore em 2007 totalizaram US$ 155 bilhões, segundo o Banco Central (BC).

"Se você der uma volta por Miami, Houston ou San Diego, verá milhares de imóveis cujos donos são mexicanos", diz Enrique Gonzalez, um advogado da Gonzalez Calvillo, da Cidade do México, especializada no setor bancário e nos mercados de capitais.

Os latino-americanos tiveram perdas com o suposto esquema de Madoff. Os argentinos tinham cerca de US$ 400 milhões investidos nos fundos por meio do Banco Santander, da Espanha, afirma Osvaldo Prato, um advogado da Arazi, Prato, Merola y Asociados. Os investidores sempre transferem dinheiro para fora de seus países para fugir da tributação, o que deixa a eles poucas alternativas para recuperar o dinheiro perdido em fraudes, diz o advogado.

O presidente da Venezuela Hugo Chávez impôs controle sobre o câmbio em 2003, dando origem a um mercado paralelo em que o bolívar é 62,6% mais fraco que a taxa oficial. Na Argentina, a presidente Cristina Fernandez de Kirchner nacionalizou US$ 24 bilhões de fundos privados de pensão em 2008. (Tradução Mário Zamarian)