Título: Regulação econômica e a indústria do petróleo ::
Autor: Perez , Adriana Hernandez
Fonte: Valor Econômico, 25/02/2009, Opinião, p. A8

No dia 18 de janeiro celebramos (?) seis meses da formação da comissão interministerial responsável pela elaboração de propostas para alteração do atual modelo de exploração e produção (E&P) do petróleo no país. Sem propostas concretas - o prazo vencia 60 dias após sua formação -, a sociedade brasileira discute os potenciais desenhos regulatórios e industriais que permitiriam aumentar a participação do Estado nas receitas e controle da atividade.

Apesar de envolver a análise de trade-offs importantes, a discussão tem se restringido à esfera empresarial e governamental, sem grande envolvimento da academia. Isto explica por que alguns aspectos têm sido pouco aprofundados ou, em vezes, abordados de perspectivas equivocadas. Aqui, dois pontos serão discutidos: o escopo do Estado e os determinantes dos modelos regulatórios de E&P.

Uma extensa literatura acadêmica analisa em que situações a solução de nacionalização é superior à regulação ótima. A estrutura de propriedade de uma atividade torna-se irrelevante quando os contratos são completos, isto é, quando é possível estabelecer uma relação contratual onde todas as condições para todas as eventualidades estão precisamente descritas. Na prática, tal exercício pode ser impossível ou muito oneroso. Por isso, a propriedade define quem tem poder de barganha na eventualidade de um cenário inesperado. A presença do Estado se justificaria se aspectos chaves da atividade são de difícil contratação e suas consequências negativas elevadas. Na indústria de petróleo, a evidência de que muitos países optam pela solução contratual pode significar que a redação destes contratos não é tão onerosa e que aspectos cruciais do contrato - esforço exploratório e produção - são de contratação relativamente simplificada.

Quanto aos modelos regulatórios, a literatura econômica prevê que não existe um formato de contrato único ideal, independente das características institucionais e econômicas do país e de sua indústria. Diferentes países optam por diferentes modelos regulatórios, reflexo das características intrínsecas a cada país, como o risco exploratório (geológico), risco de expropriação dos ganhos da atividade pelo Estado, possibilidade de captura etc.

O alto risco exploratório leva o Estado a partilhar a incerteza da operação com as empresas, o que é feito alocando-se a maior parcela da remuneração do Estado para a eventualidade da atividade exploratória ter sucesso. Os dois principais tipos de contratos de E&P, royalties e partilha de produção, incorporam estas soluções. O risco comercial costuma ser mitigado indexando a remuneração do Estado à receita bruta ou lucros.

O caráter afundado dos investimentos durante o ciclo de exploração e desenvolvimento de um campo reduz o poder de barganha da empresa vis-à-vis o Estado, expondo-a ao risco de expropriação. Seu principal efeito é a redução de investimentos e/ou o aumento do custo do capital ex-ante. Apesar das inovações contratuais disponíveis, a reputação de não expropriação continua sendo o fator determinante do volume de investimentos e custos de capital de qualquer projeto de E&P.

As dificuldades em auditar custos derivam das possibilidades da empresa divergir recursos entre suas contas. Se, por um lado, a empresa tem como estratégia racional reportar custos mais elevados para apropriar renda (informacional), por outro, o Estado tem interesse em regulação que remunere a atividade privada o mínimo necessário. Quando a auditoria de custos é impossível ou onerosa, o ideal é propor contratos onde os custos não tenham que ser auditáveis, conforme são os contratos de royalties. A vantagem é que a empresa terá forte incentivo para reduzir custos, mas o Estado abre mão da renda informacional. Nos contratos de partilha, o reembolso dos custos (via cost oil) não incentiva eficiência produtiva, mas o Estado controla a renda. A evidência mostra que contratos de partilha são frequentes nos países cujas técnicas de auditoria são mais rudimentares, ou seja, as motivações podem ser outras que o interesse público.

É importante que a discussão de temas tão relevantes para o desempenho da indústria nacional e do Estado seja balizada por critérios que levem em conta as especificidades do país, tanto institucionais como econômicas. Um primeiro passo nesta direção seria estendê-la também às esferas acadêmicas e de pesquisa.

Adriana Hernandez Perez é doutora em Economia pela Université de Toulouse I, pesquisadora do Centro de Economia e Petróleo do IBRE/FGV e pesquisadora bolsista do Ipea.