Título: Argentina estabelece taxa de 413% sobre talheres brasileiros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 26/02/2009, Brasil, p. A3

Em meio às discussões sobre o crescente protecionismo comercial, a Argentina levantou uma nova barreira contra produtos importados do Brasil. A partir de hoje, e durante quatro meses, talheres fabricados em aço inoxidável do Brasil e da China terão que pagar uma taxa adicional de 413% e 1.450%, respectivamente, para entrar em território argentino, confirmando uma medida preliminar que havia sido anunciada em setembro. Silvia Costanti / Valor

Alfredo Chiaradia: é preciso envolver os empresários dos dois países no debate

A decisão, publicada ontem no diário oficial do governo argentino, é resultado de um processo antidumping aberto em abril de 2008 pela Secretaria do Comércio do Ministério da Economia a pedido da empresa Iteca. A secretaria conclui que é procedente o argumento da empresa de que as importações de talheres em aço inoxidável do Brasil e da China "causam dano" à indústria local. A medida atinge principalmente a empresa Tramontina, uma marca muito conhecida em Buenos Aires, que está presente em todo o varejo e tem aproximadamente 20% de participação no mercado. A empresa foi procurada ontem pela reportagem do Valor, mas não respondeu aos pedidos de comentários sobre o assunto.

O bloqueio aos talheres se soma a uma lista de novas barreiras levantadas pela Argentina aos produtos brasileiros nos últimos quatro meses, que incluem processos antidumping contra têxteis e multiprocessadores e a inclusão de centenas de produtos em uma lista de importados, que passam a ter inspeção mais rigorosa antes de entrar em território argentino.

A nova barreira vem num momento de clara escalada dos conflitos comerciais entre os dois principais sócios do Mercosul. Na semana passada, foi realizada uma reunião emergencial em Brasília, entre os ministros das áreas de economia e relações exteriores do Brasil e da Argentina, para discutir a queda do comercio e o aumento de barreiras protecionistas.

Desde então e até agora não houve qualquer avanço, nenhuma nova proposta foi colocada e uma reunião marcada para dia 4 de março em Buenos Aires, para dar continuidade às "discussões" iniciadas naquela reunião de Brasília, foi adiada. O adiamento foi pedido pelo lado brasileiro, o que gerou notas irônicas nos jornais argentinos de que os funcionários brasileiros não podiam discutir um tema tão importante, porque tinham que pular o Carnaval.

Segundo o secretário de Relações Econômicas Internacionais da chancelaria argentina, Alfredo Chiaradia, os contatos estão sendo mantidos por telefone e e-mail para coordenar a pauta dos próximos encontros. Segundo ele, uma das ideias é envolver os empresários no debate.

"Nada melhor que quem conhece o setor ajude a encontrar fórmulas, saídas e sugestões, já que nós, funcionários, conhecemos apenas os aspectos gerais", disse Chiaradia.

Protagonistas de recente "bate-boca" pela imprensa por causa das barreiras protecionistas, dirigentes das federações de indústrias (Fiesp e UIA) e dos fabricantes de produtos têxteis dos dois países estarão no centro do próximo encontro entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, marcado para dia 20 de março, em São Paulo.

Segundo fontes da chancelaria brasileira, os dois presidentes participarão de um almoço com empresários na sede da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), farão o encerramento solene de um seminário e possivelmente mantenham um encontro bilateral privado.

Chiaradia, um dos membros do governo argentino que participam das negociações com o governo brasileiro, destacou números que mostram que a Argentina foi a responsável pela maior parte (dois terços) do crescimento das importações do Mercosul entre os anos de 1998 e 2007, em comparação com os 17% do Brasil.

Essa reflexão de Chiaradia dá uma ideia da disposição dos argentinos em ceder nas barreiras levantadas desde a crise. "Embora as importações do Brasil tenham registrado um crescimento fenomenal, os números mostram que ainda há muita margem para crescer", disse o secretário.