Título: Indefinição prejudica distribuidoras
Autor: Daniel Rittner e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Especial, p. A18

A metodologia de cálculo adotada pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para fixar a base de remuneração dos ativos das distribuidoras de energia está afetando não apenas a Light, mas também outras companhias do setor, notadamente aquelas que ainda estão com a base de remuneração calculada provisoriamente. A revisão tarifária está prevista no contrato de privatização das empresas e ocorre, na maioria dos casos, a cada quatro anos, não tendo ligação com o reajuste anual. Como algumas empresas ainda não tiveram sua base de ativos fixada definitivamente, enfrentam dificuldade para ir a mercado captar recursos, só tendo acesso às operações mais caras. A Aneel informa que 26 concessionárias de energia ainda estão com a base provisória, enquanto 19 concessionárias já estão com a base definitiva e outras 19 ainda não passaram pelo processo de revisão tarifária. Entre as que ainda se encontram com base provisória estão a Eletropaulo, CPFL, Cemig, Elektro, Bandeirantes, a Piratininga, CEEE, Energipe, Coelce, Coelba e Escelsa, só para citar as que atendem aos maiores mercados. Procuradas pelo Valor, as empresas preferiram não se manifestar sobre o assunto. Segundo a Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), analistas de bancos informaram que o custo médio de captação dessas empresas aumentou entre 1% e 2% ao ano. Pedro Batista, do Banco Pactual, confirma, sem citar nomes de empresas. "A falta de uma base definitiva está tirando a previsibilidade da tarifa dessas companhias, reduzindo sua capacidade de fazer dívida. E quem perde margem de distribuição perde capacidade de investir, de prestar serviços de qualidade e de remunerar os acionistas e os detentores da dívida", diz o analista. Batista ressalta ainda que o problema pode resultar em aumento de custo para todo o setor elétrico. Isso porque o problema também afeta as geradoras que vendem energia para o "pool", cujos compradores são as próprias distribuidoras. Os executivos do setor elétrico estão divididos com relação aos impactos da indefinição do reajuste da Light sobre outras empresas do setor. Uma fonte do setor elétrico que prefere não ser identificada acredita que um erro (caso da Light) não justifica outros. Ele não vê relação entre este episódio e os próximos reajustes. Ele acredita que houve um erro da agência reguladora, mas que isto não se repetirá. Outro empresário, porém afirma que o fato da base de remuneração estar provisória em várias poderá ocasionar imprevistos para muitas empresas no futuro. "E se o valor definitivo for muito diferente do provisório?", questiona. O caso da Light é o mais gritante, mas outras empresas tiveram variações impressionantes na sua base de remuneração calculada pela Aneel. Comparando-se o valor fixado em 2003 e comparando com o novo valor fixado em 2004, é possível notar redução de até 35% de um ano para o outro. Esse o caso da Bandeirante, que em 2003 teve sua base de ativos fixada em R$ 1,676 bilhão, volume depois reduzido para R$ 1,092 bilhão. Outra que teve redução de 33% foi a Celpa, cuja base de ativos foi avaliada inicialmente em R$ 1,233 bilhões valor depois reduzido para R$ 830 milhões 2004. Ressalvando que a gestão de Jerson Kelman na Aneel pode estar mudando as coisas, Batista lembra que, ao mesmo tempo em que as empresas ficaram sem capacidade de geração de caixa (por causa de problemas com a base de remuneração), houve grande aumento dos custos com encargos setoriais. Segundo a Abradee, o comprometimento da receita global do setor - incluindo a geração, transmissão, distribuição e impostos - com encargos e tributos aumentou 14,28% entre 1998 e 2003. No mesmo período, houve uma redução da participação da distribuição na receita global do setor, segundo a Abradee. A própria Light, que teve sua base recentemente revista pela Aneel ainda figura entre as que têm base provisória, já que a decisão da agência reguladora precisa ser sacramentada pelo Ministério da Fazenda. Ao decidir mudar a base de remuneração da Light antes do prazo de 12 meses, o novo diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, deu uma sinalização importante para o mercado, que há tempos reclama dessa metodologia, prevista na resolução 493 da Aneel. "Acho que o cenário, embora problemático, tem perspectiva de melhora", afirma o presidente da Abradee, Luiz Carlos Guimarães. Apesar de ainda esperar atento o desenrolar da "novela" da Light, o executivo da Abradee elogia a sinalização dada pelo novo diretor-geral da Aneel, que ele considera "um alento", ao mesmo tempo em que reforça que o atual método de revisão tarifária, "deixa no ar uma instabilidade excepcional". Kelman disse que não houve erro da Aneel nas decisões anteriores sobre a base de remuneração, ao mesmo tempo em que defende a agência, dizendo que o processo de avaliação dos ativos faz parte de uma aprendizagem também por parte do regulador. "Mas as concessionárias estiveram aqui reclamando que essa base de ativos está subestimada", informou. Na avaliação de um alto executivo do setor elétrico, porém, a Aneel errou sim e a prova disto é que a agência depois voltou atrás e deu o reajuste extraordinário. "A diretoria da Light hoje tem um gosto amargo de ter feito tudo certo mas ter dado errado". Um (mau) exemplo sempre citado é o da Light. Em 2003 a Aneel adotou provisoriamente como base de remuneração de ativos da empresa o valor de R$ 4,9 bilhões, depois reavaliado para baixo, em R$ 3,5 bilhões, e finalmente fixado em R$ 4,3 bilhões.