Título: Fazenda veta antecipação de reajuste da Light
Autor: Daniel Rittner e Arnaldo Galvão
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Especial, p. A18

O Ministério da Fazenda vetou a proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) de antecipar a revisão tarifária da Light. A decisão da equipe econômica posterga, mas não revoga nem afeta o valor do aumento adicional concedido pela Aneel, que valerá a partir de novembro. Em fevereiro, a agência reguladora revisou a base de remuneração da Light, que é a soma de todos os investimentos feitos pela concessionária em bens necessários à prestação de serviços. O indicador subiu de R$ 3,5 bilhões para R$ 4,3 bilhões, dando à distribuidora a permissão de reajustar suas tarifas em 6,13%. Por causa da delicada situação financeira da Light, que colocou em "stand by" um acordo fechado com 17 bancos credores, a Aneel propôs a antecipação da revisão tarifária de novembro - data dos aumentos ordinários de tarifas da distribuidora - para agora. Segundo a agência, os problemas financeiros já colocam em risco a qualidade dos serviços prestados aos 3,4 milhões de consumidores atendidos pela empresa, em 31 municípios do Rio de Janeiro. Em nota lacônica, divulgada na noite de ontem, o Ministério da Fazenda diz não ter autorizado o pedido de aumento adicional. A equipe econômica foi obrigada a pronunciar-se porque, segundo a lei do Real, as concessionárias de serviços públicos só podem corrigir as suas tarifas uma vez por ano. Em novembro de 2004, a Light já havia ganhado o direito de aumentar as contas de luz em 5%. A Fazenda não justificou a decisão. O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse ao Valor que o veto não altera a determinação da agência de autorizar a revisão tarifária da distribuidora. Em vez de aplicar um reajuste extra de 6,13% agora, a Light poderá fazê-lo em novembro. O percentual, entretanto, será corrigido pela taxa Selic e chegará perto de 8%. Esse valor será somado ao aumento regular a que a distribuidora tem direito todos os anos - percentual que, geralmente, fica perto dos índices de inflação. Na prática, ao invés de "parcelar" a correção nas contas de energia, o consumidor arcará com o aumento de uma vez só. "A Aneel já reconheceu um crédito que a Light tem direito de receber junto aos seus consumidores", afirmou Kelman, que já havia sido comunicado informalmente do veto da Fazenda. Ele esclareceu que esse direito só seria exercido a partir de novembro de 2005 "em condições normais de temperatura e pressão", mas a agência está preocupada com a qualidade dos serviços e consultou a equipe econômica sobre a viabilidade de uma exceção à lei do Real. "A partir de novembro, haverá um reajuste regular para a Light e, em cima dele, o crédito já reconhecido pela Aneel", explicou Kelman. De acordo com ele, não se trata de reajuste extraordinário, mas de uma medida corretiva. Ao admitir que a base de remuneração da distribuidora estava subestimada, a agência interpretou que os consumidores "deviam" à empresa - isto é, pagavam uma tarifa menor do que a de direito da Light. Kelman rejeitou com veemência as insinuações de que a Aneel estaria ajudando a distribuidora a superar seus problemas financeiros. "Pouco nos interessa se a empresa deve muito ou pouco aos bancos. Mas quando ela deixa de cumprir com as suas obrigações como concessionária, aí nos preocupamos. E temos indícios de que a situação financeira da Light começa a afetar a prestação de serviços." O diretor da Aneel não confirma nem desmente, mas já é de conhecimento do mercado que a distribuidora está deixando de pagar a Eletrobrás pela energia proveniente de Itaipu. "É como uma companhia aérea em crise. Uma coisa é quando ela reduz o atendimento nos balcões de check-in ou corta o jantar dos passageiros, outra é quando ela começa a diminuir a própria manutenção dos aviões", comparou. Kelman descartou a possibilidade de cassar a concessão da Light, que classificou como último recurso a ser tomado, embora teoricamente haja essa permissão. Com o veto da Fazenda para antecipar a revisão tarifária, ele acredita que aumentam as chances de problemas na qualidade dos serviços da Light. Para Kelman, a situação pode ser comparada a uma caixa com 99 bolas brancas e uma vermelha. Agora existem duas vermelhas e aumentaram as chances de problemas, mas elas ainda são baixas e improváveis, segundo ele. "As pessoas querem sangue, mas o que a Aneel sugeriu foi apenas uma medida preventiva." A Light é controlada pela estatal francesa Electricité de France (EDF), que detém 95% das ações da companhia. Ela negocia um aporte de até US$ 250 milhões do BNDES, que poderia ficar com 20% de participação acionária. No total, sua dívida alcança US$ 1,5 bilhão. Desse valor, US$ 660 milhões são com instituições financeiras. Oficialmente, a Light afirma não estar disposta a devolver a concessão.