Título: Conselho restringe proteção sobre lucro obtido no exterior
Autor: Watanabe , Marta
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2009, Brasil, p. A4

Ao manter uma cobrança da Receita Federal contra empresas do grupo Ambev, o Conselho de Contribuintes emitiu julgamento que passou a ser considerado pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional um divisor de águas na discussão sobre a tributação dos lucros de grupos brasileiros no exterior. A decisão pode determinar uma reavaliação das estruturas montadas pelas companhias no exterior, com uso de holdings localizadas estrategicamente em locais com os quais o Brasil possui tratados tributários que amenizam a fatia devida à Receita Federal.

O Conselho decidiu que a Eagle, controlada brasileira da Ambev, deve pagar à Receita Federal Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre lucros no valor de R$ 1,45 bilhão, originados em 2002 do resultado consolidado da Monthiers, no Uruguai, e da CCBA, na Argentina. A Eagle pode recorrer da decisão. O julgamento surpreendeu porque é em sentido inverso à decisão que a Eagle obteve em outra autuação sobre o mesmo assunto analisada há mais de dois anos. A divergência entre as duas decisões deve ser resolvida por uma câmara superior do próprio Conselho de Contribuintes.

A Monthiers e a CCBA são controladas indiretas da Eagle e fazem parte de um complexo organograma da fabricante de bebidas. A Eagle não pagou IR sobre os lucros da Monthiers e CCBA porque as duas empresas são ligadas diretamente à Jalua, esta sim controlada pela Eagle. A Jalua é uma holding do grupo, instalada nas Ilhas Canárias, na Espanha. O lucros da espanhola Jalua, que consolida os resultados da uruguaia Monthiers e da argentina CCBA, alega a Eagle no processo, estão protegidos por um tratado tributário assinado entre Brasil e Espanha.

A Receita cobrou IR e CSLL sobre um total de R$ 1,53 bilhão relativos aos resultados da Jalua em 2002. Na prática, o Conselho livrou da tributação apenas os resultados operacionais da Jalua, que foram relativamente pequenos, de R$ 80,5 milhões, e manteve os lucros originados do consolidado da Monthiers e CCBA. Restou, portanto, o pagamento dos impostos no total de 34% sobre R$ 1,45 bilhão. A Eagle pode recorrer do julgamento.

Em nota, a Ambev diz que a decisão do Conselho lhe foi parcialmente favorável, reduzindo o valor original da autuação em mais de dois terços e aguarda a formalização da decisão. A autuação da Receita também envolvia o pagamento de IR e CSLL sobre R$ 2,94 bilhões relacionados à variação cambial sobre resultados de controladas e coligadas no exterior. Essa cobrança foi derrubada pelo Conselho, seguindo entendimento já considerado pacífico a favor das empresas.

A decisão sobre os lucros apurados pelas controladas indiretas Monthiers e CCBA, porém, pega de surpresa os tributaristas. A expectativa dos especialistas era de que o conselho retirasse a tributação sobre todos os resultados da Jalua, como aconteceu em outra autuação fiscal contra a Eagle sobre o mesmo assunto, julgada em fim de 2006 e relativa aos lucros de 2001.

Nesta segunda autuação, porém, houve uma discussão maior sobre a origem dos resultados da Jalua. Na prática, os conselheiros concluíram que os lucros de controladas indiretas consideram-se auferidos diretamente pela investidora brasileira. Os resultados das indiretas, portanto, não se submetem às regras do tratado internacional firmado com o país no qual está a holding das controladas indiretas. Ou seja, no caso da Eagle, o tratado para evitar dupla tributação assinado entre Brasil e Espanha protege da tributação da Receita Federal apenas os resultados da própria Jalua, mas não os da uruguaia Monthiers e da argentina CCBA.

Os dois casos do grupo Ambev analisados são as primeiras grandes autuações sobre lucros no exterior julgadas pelo Conselho de Contribuintes e, por isso, são acompanhadas com atenção por tributaristas. De acordo com seu último balanço, de setembro, a Ambev diz que a companhia e suas controladas tem um total de R$ 4,89 bilhões em autuações fiscais relacionadas à tributação de lucros obtidos por empresas do grupo no exterior.

A decisão favorável à Eagle dada em processo anterior, julgado em dezembro de 2006, foi considerado um precedente altamente favorável às empresas que muitas vezes desenham estruturas nas quais as holdings que consolidam resultados importantes estão localizadas em países com os quais o Brasil possui tratados tributários considerados mais favoráveis.

Ao contrário do primeiro processo da Eagle sobre o assunto, o segundo passou por um pedido de informações à Espanha e, por isso, foi julgado praticamente dois anos depois. E nesse segundo processo a Procuradoria conseguiu uma discussão maior sobre o local onde foram obtidos os lucros da espanhola Jalua.

Para Paulo Vaz, do escritório Levy & Salomão, a decisão coloca em questão o tratamento dado para os lucros apurados por controladas indiretas e que muitos consideravam protegidos quando estavam sob o guarda-chuva de uma empresa num país com tratado favorável às empresas.

"Consideramos que essa decisão será um divisor de águas", declara o procurador Paulo Riscado, que coordena a defesa da Procuradoria da Fazenda no Conselho de Contribuintes. Para ele, esse julgamento mostra que a proteção dos tratados internacionais alegada pelas empresas não é tão ampla, nem aplicável a todas as circunstâncias.

Robson Maia Lins, sócio do escritório Barros Carvalho Advogados Associados, conta que a decisão desfavorável à Eagle não era esperada. "O resultado do julgamento surpreendeu, mas foi favorável à Fazenda por maioria muito apertada. Isso demonstra que ainda não há consenso no conselho sobre o assunto e a possibilidade de reversão para uma quadro favorável às empresas é grande."