Título: Os marcos contratuais no reajuste de contratos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/03/2005, Legislação & Tributos, p. E2
Atualmente, presenciamos a constante mutação da economia mundial em diversos setores produtivos com suas subseqüentes implicações financeiras e monetárias, ocasionadas por fatores alheios às vontades das pessoas que contratam. Estas conseqüências implicam diretamente no mercado contratante nacional e internacional. Algumas mudanças de mercado, muitas delas inesperadas, outras tantas já antevistas, vêm ocasionando polêmica, sobretudo no reajustamento de contratos em prazos inferiores ao legalmente permitido. Princípio básico no direito contratual e exaltado por advogados contratualistas, o "pacta sunt servanda", busca a segurança jurídica na relação entre as partes contratantes ao estipular que os contratos devem ser celebrados para serem cumpridos. Ao revés deste preceito, a atual legislação brasileira prevê em seu bojo, a relatividade desta regra ao estipular a possibilidade de repactuação ao constatar, concretamente, que ocorreu o desequilíbrio econômico-financeiro entre as partes no acordo. Complementando o entendimento, o novo Código Civil dispõe como princípio básico contratual a obrigatoriedade das partes em contratar observando a probidade e boa-fé na execução ou na conclusão do pacto. Isto, em prol da efetivação da função social do contrato. Nos anos 90, com a implementação no país do Plano Real, o legislador sentiu a necessidade em dar segurança à economia brasileira, principalmente mantendo a efetividade das relações contratuais, apregoando que os reajustamentos deveriam obedecer um prazo mínimo estipulado em lei. Foi então que o Congresso Nacional promulgou a Lei nº 9.069/95 e Lei nº 10.192/01, ambas no governo FHC, como continuidade ao Plano Real e de estabilização econômica-monetária iniciado no governo antecessor. A Lei nº 9.069/95, estipulou em seu bojo que é nula de pleno direito e não surtirá nenhum efeito cláusula de correção monetária cuja periodicidade seja inferior a doze meses. Por sua vez, a Lei nº 10.192/01, estipulou que é admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano. Acrescenta esta legislação, que é nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano e que nos casos de revisão contratual, a lei prevê que o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido. Desta estipulação de marco contratual para reajuste, nasce um dilema no mundo jurídico sobre o ponto de partida para as revisões contratuais. Saliente-se que, em princípio, as normas legais vigentes declaram nulas de pleno direito todas as disposições contratuais que as contrariem em qualquer de seus dispositivos, uma vez não tratar-se de outorga de direitos disponíveis aos contratantes que, por sua vez, claramente, não dispõem de liberdade para acordarem de modo diverso ou expressamente contrário à legislação.
Um marco contratual plausível para fixação do ponto para reajustamento é a data de início da vigência do contrato
A análise dos contratos elaborados no mundo empresarial nos faz concluir serem eles, via de regra, compatíveis com os dispositivos legais vigentes, o que busca atender a vontade da lei de impedir a indexação de preços que nos levaria novamente à instabilidade monetária, mediante a elevação dos índices inflacionários. A partir do momento em que a lei estabeleceu o ponto de partida como sendo "a data em que a anterior revisão tiver ocorrido", omitiu-se quanto ao termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, dispondo apenas acerca do termo inicial do período de "nova revisão". Partindo do pressuposto de o termo ser a data em que a "anterior revisão" tiver ocorrido, a lei busca referir-se às hipóteses de uma nova revisão. Mas como interpretar aquelas hipóteses não previstas no diploma legal que, embora as reconheça existentes, para elas não apresenta regras claras? A exceção legal expressamente prevista para esta regra diz respeito exclusivamente aos contratos de direito administrativo que se submetem às normas de licitação pública e que, indubitavelmente, não se confundem com os contratos sujeitos às normas de direito privado. Ressalte-se, ainda, que o marco contratual denominado "data zero" significa o referido termo inicial da contratação, e tudo mais que o tenha antecedido, inclusive eventual proposta do contratada aceita pelo contratante. Anteriormente à ocorrência da chamada "data zero" simplesmente não há contrato em execução e, em conseqüência, também não há débitos a serem corrigidos. O que existe é uma mera expectativa de que o contrato venha a se realizar. Ademais, se uma empresa recebe uma proposta comercial em determinado mês, embora com base de preços em mês anterior, exigirá determinado lapso temporal para negociá-la e aceitá-la. Neste ínterim, porém, estará válida a mesma, guardadas as mesmas condições da ocasião da sua apresentação, desde que a sustente o proponente. Não se pode defender a tese de que uma mesma proposta, em aberto por um determinado período, acabe por apresentar-se mais onerosa, após a sua aceitação, que na data da sua efetiva apresentação. Tanto assim, que as partes devem fazer expressa menção, e não o fazendo a lei o faz, à correção dos valores contratados pelos índices de mercado dos últimos 12 meses e que, como exaustivamente demonstrado, devem contar da chamada "data zero", termo inicial do contrato. Perfeitamente lógica e coerente, a sustentação de que os reajustamentos dos preços contratados devem se dar não da data da formulação das propostas, comumente denominada "data base", nem tão pouco pelo aceite da proposta comercial da contratada pela contratante, e nem tão pouco pela expectativa de contratação da contratada concretizada com a assinatura de uma carta de intenção. Vislumbramos como marco contratual plausível para fixação do ponto para reajustamento contratual, a data de início de vigência do contrato, "data zero", que por sua vez pode coincidir ou não com a data de assinatura do contrato pelas partes.