Título: Uma ação do TSE contra a campanha antecipada
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 27/02/2009, Opinião, p. A16

A eleição não começou, mas a guerra judicial entre governo e oposição, sim. O cenário da disputa é uma Justiça Eleitoral cada vez mais rigorosa, que não tem hesitado em punir, inclusive com a cassação de mandatos, os governantes cujas eleições tenham sido beneficiadas por abuso do poder econômico e político ou compra de votos. Foi por acusação de compra de votos que o eleito em 2006 para o governo da Paraíba, Cássio Cunha Lima (PSDB), perdeu o mandato no último dia 17, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Os postulantes do PT e do PSDB à Presidência da República, todavia, teimam em brincar com fogo. Os partidos envolvidos nessa disputa parecem partir do princípio de que a reclamação contra os atos do concorrente simplesmente os anistiam de cumprir, eles próprios, os princípios legais e éticos que devem pautar uma disputa democrática.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem viajado o país com a ministra Dilma Rousseff a tiracolo, dando a ela condições para que consolide uma imagem nacional. Essa associação entre padrinho e afilhada consumou a posição da ministra como pré-candidata do PT à Presidência em 2010, e tende a transferir os votos dele para ela. Afinal, trata-se de um presidente com forte apoio popular e de uma ministra que, segundo ele diz em seus discursos, é a responsável pela gestão das obras que o tornaram popular.

Se esse é um caminho natural num processo eleitoral, a antecipação demasiada do ato eleitoral pode ter o efeito de privilegiar a ministra com a máquina do Estado, e de dar a ela condições vantajosas de disputa em relação a seu concorrente. Quando o DEM e o PSDB representaram no TSE contra Lula e Dilma, no último dia 18, estavam usando do direito de pleitear igualdade de condições entre a candidata de Lula e o que será apoiado pelos dois partidos. Reclamavam, especialmente, do encontro dos prefeitos em Brasília, na semana passada, que, segundo eles, teria sido usado pelo governo para promover a sua candidata.

O candidato mais cotado do PSDB à Presidência, o governador José Serra (SP), apoiado pelo DEM, todavia, praticamente desautorizou o PSDB e o seu aliado, ao realizar como governante, exatamente no dia em que os dois partidos entravam com a representação na Justiça Eleitoral contra Lula e Dilma, uma reunião com os prefeitos e secretários de saúde de 523 municípios paulistas. A oposição a Serra no Estado também reclama da veiculação, em mídia nacional, de propaganda da companhia de saneamento básico de São Paulo, a Sabesp, que só atende a consumidores paulistas. A propaganda, segundo o PT paulista, não poderia ter sido divulgada para além das fronteiras do Estado.

Essa guerra na Justiça Eleitoral, por estar sendo municiada pelos dois partidos que têm polarizado os pleitos, não tem a intenção de moralizar a disputa e evitar a antecipação do processo eleitoral, mas apenas prejudicar o adversário. Contudo, seria bom para o país se houvesse uma força externa a esses interesses que limitasse a ação eleitoral nesse período, coibindo o uso das máquinas públicas, federal ou estaduais, e a antecipação da campanha.

Em matéria veiculada no jornal "O Estado de S. Paulo" de ontem, dois juristas, Alberto Rollo e Renato Ventura, afirmaram que uma resolução do TSE teria o poder de restringir a ação dos agentes públicos que são candidatos antes da campanha oficial à Presidência da República. Isto é, a Justiça Eleitoral pode definir, com clareza, que atos configuram uso da máquina administrativa em favor de pré-candidatos.

Sem uma definição clara do que pode vir a configurar um delito eleitoral, e do que não pode, o Brasil viverá uma guerra jurídica até no ano que vem, quando oficialmente se abre a rodada eleitoral. Essas pendências judiciais acabarão servindo à campanha dos adversários políticos, e mais à frente se constituirão numa intolerável insegurança jurídica para o eleitor. Na hora em que o processo eleitoral for legalmente iniciado, é fundamental, para a preservação da vontade popular, que os candidatos disputem em igualdade de condições e tenham condições de cumprir seus mandatos integralmente, uma vez eleitos. Uma ação preventiva do TSE pode garantir a lisura não apenas do pleito, mas da disputa eleitoral.