Título: Holanda rejeita o protecionismo, diz primeiro-ministro
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Fonte: Valor Econômico, 27/02/2009, Especial, p. A18

Em meio à crise econômica mundial que empurrou a Europa para a recessão, uma comitiva formada pelos presidentes das 12 maiores empresas holandesas chega ao Brasil no domingo em busca de oportunidades de negócios e cooperação. A missão será chefiada pelo primeiro-ministro da Holanda, Jan Peter Balkenende, que vai se encontrar, na segunda-feira, em São Paulo, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Os dois vão conversar sobre a crise com vistas à reunião de cúpula do G-20 financeiro, em abril, em Londres. Reuters/Yves Herman

Jan Peter Balkenende: "Sou otimista e creio que esta crise pode criar oportunidades para quem trabalhar em conjunto"

Em entrevista ao Valor por e-mail, Balkenende criticou a adoção de medidas protecionistas que prejudicam o livre comércio e defendeu a conclusão das negociações na Organização Mundial do Comércio (OMC). "A Holanda exortará a comunidade internacional a pronunciar-se enfaticamente sobre essa questão na reunião do G-20", disse Balkenende.

Político jovem (52 anos), Balkenende tem larga experiência administrativa. Está em seu quarto governo como primeiro-ministro. Antes do Carnaval, quando o Valor visitou a Holanda, o governo de Balkenende divulgou novas previsões sobre a economia para 2009. Este pequeno país mercante, com população de 16,6 milhões de habitantes, não fora tão afetado quando a crise começou. Mas teve de rever para pior as projeções macroeconômicas para este ano, quando o PIB deve cair 3,5% em relação a 2008. "Estou preocupado com as dificuldades que estamos enfrentando, mas não estou de maneira alguma desencorajado." A seguir, a íntegra da entrevista.

Valor: O senhor inicia nesta segunda-feira uma visita oficial ao país. Vai se encontrar com o presidente Lula e participará de um fórum empresarial em São Paulo. Quais são as suas expectativas em relação aos resultados dessa visita?

Jan Peter Balkenende: O objetivo fundamental de minha visita é reforçar os largos laços econômicos e políticos que ligam a Holanda e o Brasil. A visita oficial do presidente Lula à Holanda em 2008 foi vista como um grande avanço. Agora nós gostaríamos de melhorar o que já é um bom relacionamento. Nós discutiremos detalhadamente a crise financeira, a reunião de cúpula do G-20, em Londres, em 2 de abril, e questões como energia, clima e sustentabilidade. Reforçar nossos laços comerciais e de investimento é também uma prioridade e por isso nossa delegação vai incluir presidentes das 12 maiores companhias holandesas. O ministro holandês dos Transportes, Obras Públicas e Recursos Hídricos (Camiel Eurlings) estará no Brasil ao mesmo tempo com uma delegação com representantes de 60 companhias.

Valor: Na visita que o presidente Lula fez à Holanda, em abril de 2008, foram assinados cinco memorandos de entendimento entre os dois países, além da parceria no setor de águas. É possível esperar que esses acordos ganhem impulso a partir da sua visita?

Balkenende: Não pode haver melhor prova de que ações bem sucedidas estão sendo tomadas com base nos memorandos de entendimento sobre portos, transporte marítimo e logística do que as visitas simultâneas, minha e do ministro dos Transportes. Dois protocolos serão assinados, colocando em vigor um plano de ação. O memorando sobre educação superior e cursos técnico-profissionalizantes tem tido bom seguimento com a abertura, em dezembro, do escritório holandês de apoio ao ensino superior, em Brasília, para fomentar a cooperação entre universidades e outras instituições de educação superior na Holanda e no Brasil. Consultas foram realizadas sobre o programa de trabalho envolvendo biocombustíveis e instituições e companhias podem submeter propostas para projetos relativos à nossa herança cultural compartilhada e à colaboração em questões no setor hídrico.

Valor: Em 1998, Brasil e Holanda assinaram um acordo de Promoção e Proteção de Investimentos, que ainda não foi ratificado pelo Congresso brasileiro. Esse ainda é um tema de interesse da Holanda na relação bilateral com o Brasil?

Balkenende: Sim, a Holanda continua interessada nesse acordo com o Brasil e já o ratificou. O Brasil decidiu, em 2002, suspender a ratificação de acordos dessa natureza com outros países. Nós esperamos, no entanto, que o Brasil decida reconsiderar essa decisão em algum momento, porque um acordo desse tipo seria bom para investimentos em nossos países.

Valor: Segundo dados do Banco Central brasileiro, a Holanda é um dos maiores investidores estrangeiros no Brasil. Essa situação deve manter-se com a atual crise?

Balkenende: Por anos, o Brasil tem sido o destino primário na América Latina para as nossas exportações e a Holanda é o maior importador de produtos brasileiros na Europa. A Holanda foi também o primeiro investidor estrangeiro no Brasil em 2007. Por isso nossos países têm conexões financeiras e econômicas muito próximas e eu não vejo mudanças no futuro próximo. Existem oportunidades de investimento em muitos setores no Brasil, especialmente em energia, portos e logística.

Valor: O Brasil tem se esforçado em criar um mercado mundial para os biocombustíveis. O etanol pode ser uma alternativa ao petróleo tanto para países em desenvolvimento quanto para os desenvolvidos no futuro próximo?

Balkenende: O etanol pode ser um importante componente de nosso futuro sustentável. A União Europeia decidiu que em 2020 pelo menos 10% do combustível consumido pela indústria de transporte europeia deve vir de fontes renováveis e os biocombustíveis suprirão a maior parte dessa demanda. Esse desenvolvimento é de grande interesse para a Holanda e o Brasil. Roterdã já é o principal distribuidor e o maior porto de biocombustíveis, ou "bioporto", na Europa. Somente os biocombustíveis produzidos por métodos sustentáveis serão considerados válidos no cumprimento da meta europeia. Por isso é de interesse do Brasil assegurar que os biocombustíveis importados pela União Europeia sigam os critérios de sustentabilidade agora em vigor. A Holanda está profundamente interessada em ajudar a tornar a produção ainda mais sustentável. Temos discutido esse assunto desde a visita oficial do presidente Lula à Holanda e estamos tentando encontrar soluções práticas.

Valor: O comércio bilateral Brasil-Holanda é crescente e alcançou quase US$ 12 bilhões em 2008. O saldo comercial também tem crescido muito a favor do Brasil. O déficit preocupa? É possível buscar um comércio mais equilibrado?

Balkenende: A Holanda não tenta equilibrar o comércio com países individualmente. A balança comercial (holandesa) mostra, no total, um saudável superávit e isso é o mais importante. O fato de que o Brasil exporta muito para a Holanda prova nossa força como um centro de distribuição na Europa, porque grande parte dessas exportações toma seu caminho para outros países no continente.

Valor: A Holanda tem uma longa tradição em comércio internacional. Como a crise econômica afetou as exportações e quais são as expectativas para as exportações e as importações em 2009?

Balkenende: O comércio global é e continuará a ser vital para nossa aberta economia. Uma queda dramática no volume global de comércio afetará fortemente nossas exportações. Em 2009, prevemos decréscimo de quase 12% nas exportações e um declínio de mais de 9% nas importações. Isso certamente terá um importante impacto na economia holandesa.

Valor: Quais são as previsões para os principais indicadores econômicos na Holanda em 2009? Que impactos a crise econômica tem sobre o país em termos de PIB, produção industrial e desemprego?

Balkenende: A economia holandesa estava em boa forma quando a crise começou: baixo desemprego, aumento do poder de compra e vários anos de superávit no orçamento. Mas como outros países, a Holanda enfrenta agora tempos difíceis. As mais recentes estimativas preveem queda de 3,5% no PIB para 2009, sobretudo devido à queda das exportações, de quase 12%, e dos investimentos, acima de 11%. Menores gastos deverão reduzir a produção em 5,5% em 2009 e em 0,75% em 2010, resultando em aumento do desemprego para 5,5% em 2009 e 8,75% em 2010. Neste momento, nenhuma melhoria real é prevista para 2010. Estou preocupado com as dificuldades que estamos enfrentando, mas não estou de maneira alguma desencorajado. No passado, meu país sempre conseguiu emergir forte e vigoroso das crises devido aos esforços conjuntos de empregadores, governo e sindicatos. Eu tenho muita confiança que a "Laranja Mecânica" fará o que for preciso ser feito nesta época também.

Valor: A crise trouxe com ela novas ameaças de protecionismo. Qual é a posição da Holanda sobre esse tema em fóruns como a Organização Mundial do Comércio?

Balkenende: A Holanda sempre foi uma fervorosa defensora do livre comércio. Na atual situação, uma recuperação econômica duradoura depende da recuperação do comércio mundial, não somente para nações comerciais como a Holanda, mas para outros países também. Eu me oponho fortemente a adotar medidas protecionistas neste momento. Se cada um se voltar para dentro, todos vamos perder no final. Por isso é vital, agora, levar finalmente as negociações da OMC a uma conclusão bem-sucedida. Esse é um tema que o presidente Lula e eu vamos discutir amplamente e sobre o qual, estou seguro, concordamos. A Holanda exortará a comunidade internacional a pronunciar-se enfaticamente sobre essa questão na reunião de cúpula do G-20.

Valor: O senhor está preocupado com o retorno do nacionalismo econômico? Acredita que essa é uma séria ameaça à economia mundial?

Balkenende: Evidentemente, líderes governamentais estão sob tremenda pressão para que protejam seus interesses nacionais. A perda de postos de trabalho é uma questão muito grave em todos os países. Mas a maneira de resolver esse problema é via mais comércio internacional, não menos. Sou um otimista por natureza e acredito que esta crise pode criar oportunidades para os que trabalharem em conjunto internacionalmente. Isso não é um idealismo ingênuo: basta olhar como os países da Europa trabalharam juntos nas questões de garantias de crédito e injeções de capital para evitar falências bancárias e rapidamente acordaram que a supervisão do setor financeiro precisa ser melhorada. Acredito ser absolutamente essencial, para nós, mantermos essa abordagem coordenada na Europa e em todo o mundo. As negociações em curso no contexto do G-20 têm reforçado minha convicção de que isso é possível. Temos uma obrigação para com as futuras gerações. Não podemos nos permitir sacrificar objetivos internacionais importantes como as Metas de Desenvolvimento do Milênio (das Nações Unidas), uma regulação financeira efetiva e a luta contra o aquecimento global em função de grosseiro protecionismo.

Valor: A Grã-Bretanha, França e outros países apoiam a integração do Brasil ao Fórum de Estabilidade Financeira (FEF), grupo das principais autoridades financeiras que avalia risco de bancos e mercados. A Holanda também apoia essa iniciativa e por quê?

Balkenende: A Holanda apoia o acesso do Brasil ao FEF. O Brasil é um importante mercado emergente e sua importância econômico e financeira mundial vem crescendo. Além disso, a América Latina não tem atualmente representação no FEF.

Valor: E o que dizer sobre uma melhor divisão do poder no Fundo Monetário Internacional (FMI) para os países emergentes? A Holanda está pronta a aceitar a redução de sua influência no FMI e em outras organizações financeiras?

Balkenende: No G-20 a Holanda pressiona por uma expansão no papel do FMI no sentido de salvaguardar a estabilidade financeira global. Em nossa opinião, o FMI é a instituição mais bem posicionada para arcar com essa responsabilidade. Seria proveitoso que os programas de avaliação do setor financeiro (FSAP) fossem obrigatórios. Nós também precisamos conceber maneiras mais eficazes para melhorar o cumprimento das recomendações do FMI. Nesse contexto, estou convencido de que aumentar a representação de países emergentes no FMI não produzirá, necessariamente, desvantagem para outros países. Todos seriam beneficiados.

Valor: Há economistas que acreditam que investir em infraestrutura é uma forma de sair da crise. Qual é a sua opinião?

Balkenende: Precisamos assegurar que as medidas que tomarmos em resposta à crise serão positivas a curto prazo, mas também nos tornarão estruturalmente mais fortes a longo prazo. Do contrário, estaremos jogando dinheiro em um poço sem fundo e repassando os custos às gerações futuras. Devemos nos comprometer em perseguir sustentabilidade e a inovações. E realizar investimentos focados nas necessidades de manutenção do motor da economia. Investimentos em infraestrutura podem ser muito úteis a esse respeito. Na Holanda, autoridades locais estão acelerando projetos envolvendo escolas e estradas. Investimentos como esses criam emprego hoje e melhoram a educação e a mobilidade futuras.