Título: Fantasmas de 2001 e riscos de 2005
Autor: Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Brasil, p. A2

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na terça-feira que a economia brasileira cresceu 5,2% em 2004, mas encerrou o ano com uma desaceleração expressiva no ritmo deste crescimento. A dupla divulgação trouxe à memória dois episódios, um mais antigo e outro relativamente recente. Deles quero destacar avaliações feitas, na época, por dois atuais dirigentes do Banco Central. Pela ordem de antigüidade dos episódios: o Brasil encerrou o ano de 2000 com uma alta de 4,4% no Produto Interno Bruto (PIB). Esse dado foi oficialmente divulgado no dia 14 de fevereiro de 2001 e entre as matérias publicadas na imprensa no dia seguinte, destacaram-se as previsões de que 2001 seria mais um ano de expansão expressiva: entre 4,0% e 4,5%. Alexandre Schwartsman (então economista-chefe da corretora Indosuez e hoje diretor da área internacional do BC) acreditava nesse intervalo de variação. Segundo sua avaliação na época, o Brasil poderia "crescer até 5% que os preços continuarão controlados". (Valor, 15/02/2001). Ele estava convencido de que o desemprego elevado (na época, 6,7% pela pesquisa "velha" do IBGE) caracterizava "um excesso de oferta no mercado de trabalho que deve segurar os salários e manter a inflação sob controle". A pergunta que cabe aqui é: o que mudou na economia entre 2000/2001 e 2004/2005 para que a interpretação acerca da capacidade de crescimento do país tenha regredido e não progredido? Por que lá trás podíamos crescer 5% sem inflação (segundo um atual diretor do BC) e hoje essa avaliação não encontra eco na autoridade monetária? Convém registrar que, ao final, o crescimento em 2001 ficou muito abaixo do esperado (1,3%) por duas situações imponderáveis: o risco de apagão de energia e o 11 de setembro nos Estados Unidos. O medo dos efeitos do racionamento sobre a economia levou a diretoria do Banco Central (BC) a iniciar um aperto monetário quase imediatamente. Depois, a demanda caiu antes da produção, mostrando que era infundado o temor da autoridade monetária, na época comandada por Armínio Fraga. O outro episódio (mais recente) é do início de 2004. O resultado do PIB do quarto trimestre de 2003 mostrou que a economia encerrara aquele ano com um crescimento vigoroso. Palavras do já presidente do Banco Central, Henrique Meirelles: "No último trimestre de 2003, o crescimento anualizado do PIB chegou a 6,14%, um dos maiores do mundo no período, maior que o americano e o japonês". (Valor, 02/02/2004). O mesmo indicador trimestral festejado por Meirelles há um ano, hoje indica que a economia está crescendo a uma taxa anualizada de apenas 1,7%, como destacado ontem também neste jornal. Meirelles, ao conhecer os dados do PIB de 2004 e entre eles esse percentual medíocre, contemporizou: "Não existe exemplo de crescimento que seja linear. É natural um processo de acomodação, não só no investimento, mas no próprio crescimento do PIB". Ou seja: Meirelles não vai olhar para o 1,7% de crescimento da mesma forma que olhou para os 6,13% há apenas 12 meses.

Incertezas vêm da economia americana

Por que lembrar esses dois episódios e as avaliações que eles suscitaram das atuais autoridades monetárias? Para discutir o crescimento de 2005 e os riscos pouco lembrados. As projeções dos economistas para a evolução do PIB deste ano variam de 3,0% a 4,0%. Na média, está implícito nesse cenário que o BC manterá a política de juros altos até meados do ano (a taxa básica pode subir até 19,0% ), caindo lentamente para encerrar o ano entre 17% e 17,5%. É um quadro de aperto. Também faz parte deste desenho para o ano um cenário externo calmo, sem surpresas na economia americana. Nenhuma projeção para 2005, até agora, trabalha com a possibilidade de arrefecimento nas exportações brasileiras em decorrência da baixa cotação do câmbio. Trabalhadores da indústria de calçados que já foram demitidos porque seus empregadores perderam contratos de exportação para os EUA certamente não comungam dessa avaliação. Dirceu Bezerra Jr, sócio-diretor da Rosenberg & Associados, lembra que nada no primeiro trimestre de 2001 indicava que o país estivesse à beira do colapso no fornecimento de um dos seus insumos mais preciosos: a energia elétrica. Hoje, em março de 2005, ele e outros analistas, novamente, não vêem nenhum risco interno no horizonte. O risco, diz ele, chama-se economia americana. A cada 20 minutos de conversas com os clientes, conta ele, a Rosenberg & Associados gasta 15 minutos falando do cenário externo. As preocupações com a economia brasileira ficam com os 5 minutos restantes. "Estamos monitorando detalhadamente os indicadores americanos", explica. O alerta ganhou força na semana passada com a divulgação do índice de inflação no atacado, cujo núcleo registrou alta de 0,8% (um padrão brasileiro e não americano...). Outro alerta pode vir com o dado de criação de empregos. Segundo coleta da Bloomberg, os analistas esperam um número expressivo em fevereiro: 225 mil novos empregos ante 146 mil em janeiro. Desde novembro, contudo, as novas vagas tem se expandido acima das projeções do mercado. Ontem, Alan Greenspan, manteve o tom ameno acerca do ritmo de crescimento americano. Para ele, até o momento, a atividade nos EUA parece estar se expandindo a um bom ritmo. Bom, não excessivo, nem preocupante. A análise preocupa Bezerra Jr. "É melhor que o Fed faça a correção dos juros americanos e não o mercado", observa. O que há de comum entre estes episódios e avaliações, afinal? Às vezes olhamos muito e sabemos pouco (como na véspera do racionamento). E toda política monetária do BC e as projeções de crescimento partem de um conceito absolutamente desconhecido: o PIB potencial. Em algum momento criou-se o dogma de que o Brasil cresce até 4,0% sem inflação. No ano passado crescemos 5,2% (bem acima das projeções) e a inflação que realmente responde à política monetária variou 6,2% (preços comercializáveis no IPCA, sem desconto de qualquer choque de commodities, sem expurgo de petróleo, aço, etc). Me parece uma troca justa.