Título: Governo quer penhorar faturamento de devedores
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Brasil, p. A8

O Governo Lula planeja encaminhar ao Congresso, em breve, um projeto de lei para alterar a legislação de execuções fiscais. A intenção é incluir na lei um dispositivo que permita penhorar parte do faturamento das empresas para pagar dívidas em atraso com a Previdência Social. O projeto é parte de uma série de medidas para aumentar a arrecadação e combater o bilionário déficit em relação ao montante de benefícios pagos pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). Em sua maioria administrativas, as medidas dão prosseguimento à profunda reestruturação que começou com a criação da Secretaria de Receita Previdenciária (SRP), em fins de 2004. "As empresas que se cuidem, pois vamos apertar este ano", avisou o titular do órgão, Jose Roberto Pimentel, em entrevista ao Valor, referindo-se principalmente a mudanças no âmbito administrativo. Em relação ao projeto de lei, ele explica que a atual legislação de execuções fiscais permite penhorar apenas bens dos devedores, que muitas vezes são difíceis de localizar. Se for aprovada pelo Congresso, a possibilidade de se penhorar também um percentual do faturamento das empresas será utilizada na fase judicial da cobrança de contribuições em atraso - tarefa agora a cargo da Procuradoria Geral da União. Os débitos inscritos na dívida ativa da Previdência Social chegam a R$ 123,4 bilhões - perto de quatro vezes o que o Tesouro Nacional teve que desembolsar, em 2004 (R$ 31,98 bilhões), para cobrir a diferença entre o que a Previdência arrecadou em contribuições e o que foi pago em aposentadorias, pensões e outros benefícios. Aproximadamente 238 mil empresas estão inscritas nessa dívida. Mas, num primeiro momento, o foco da nova investida do governo é um grupo de apenas 16 mil devedores pessoas jurídicas, onde estão concentrados R$ 105 bilhões ou 85% do total devido. Em função disso, SRP e PGU constituíram um grupo de trabalho para estudar os maiores devedores, informa o secretário. Além da dívida ativa, há R$ 94,7 bilhões de débitos com pagamento em atraso em fase administrativa de cobrança no Ministério da Previdência. Conforme Pimentel, outras alterações de legislação poderão ser propostas, além da relativa à penhora de receita das empresas. "No campo das normas, uma preocupação é identificar e fechar brechas hoje utilizadas para o não pagamento de contribuições", afirma o titular da SRP, sem detalhes. Além de uma legislação mais rígida, os devedores da Previdência Social vão enfrentar uma fiscalização mais intensa. Ambiciosa, a meta da secretaria implica triplicar, até 2009, o número de auditorias feitas por ano, diretamente nas empresas, no combate à sonegação e à inadimplência. Em 2004, ano em que a fiscalização ainda estava a cargo de uma diretoria dentro do INSS, os fiscais do Ministério da Previdência auditaram cerca de 12.500 empresas. "Até 2009, queremos auditar cerca de 38 mil empresas por ano", anuncia Pimentel. Para tanto, o Ministério do Planejamento já analisa um pedido da SRP de abertura de concurso, para contratação, numa primeira etapa, de cerca de mil novos fiscais. Hoje, há cerca de 4.200. Independente do concurso, o número anual de auditorias vai crescer já em 2005, para cerca de 13.200, informa o secretário. Parte do que está sendo denominado "choque de gestão" pelo ministro da pasta, Almir Lando, o esforço da SRP por aumento de receita envolve ainda mudanças já em teste no âmbito administrativo. Segundo Pimentel, os sistemas de informação da secretaria estão sendo modernizados para permitir um monitoramento mais rígido dos pagamentos das empresas. Ele exemplifica: se uma grande empresa deixar de pagar no prazo as contribuições devidas, o sistema imediatamente acusará o atraso, para que a fiscalização se mobilize. Isso valerá principalmente para débitos já renegociados e parcelados. "Vamos ficar em cima para não haver atraso", avisa Pimentel. A modernização fará com que o sistema também acuse rapidamente eventual diferença entre o valor de contribuições declarado por uma empresa e aquele efetivamente recolhido. Salvo na hipótese de haver uma explicação (um erro de preenchimento, por exemplo), se não pagar a diferença, a empresa irá diretamente para a dívida ativa. Pimentel explica que, nessas situações, a fase administrativa de cobrança passará a ser dispensada, porque, ao declarar e não pagar, a empresa se transforma num inadimplente confesso. A reestimativa de receitas e despesas do Orçamento da União, divulgada recentemente pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda, indica que o déficit da Previdência Social deverá atingir R$ 37,8 bilhões em 2005. José Roberto Pimentel acredita, porém, que, com o esforço adicional decorrente da criação da SRP e das medidas em curso, será possível fechar o ano com um déficit menor do que o projetado. Só de débitos em atraso em fase administrativa de cobrança, ele espera recuperar este ano R$ 5,7 bilhões, o que representaria um incremento de R$ 1,2 bilhão sobre 2004. A reestimativa feita pela Fazenda sobre a arrecadação líquida da Previdência este ano acabou ficando em R$ 105,4 bilhões e não em R$ 102,3 bilhões, como foi informado inicialmente à SRP. Independente da estimativa, a meta da secretaria é obter, no mínimo, os R$ 107,7 bilhões previstos no orçamento aprovado pelo Congresso. Se isso for conseguido, o déficit da Previdência será de R$ 35,5 bilhões em 2005, pois os gastos com benefícios estão projetados em R$ 143,2 bilhões.