Título: Hillary entra em campo
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 16/01/2010, Mundo, p. 26

Catástrofe do Haiti

Obama envia a chefe da diplomacia americana para o Haiti e anuncia reforço das tropas no país. Ajuda internacional supera a marca dos US$ 400 milhões, mas Brasil critica países ricos

A secretária de Estado norte-americana, Hillary Clinton, deve desembarcar hoje em Porto Príncipe para se reunir com o presidente do Haiti, René Préval, e definir prioridades na gigantesca operação de ajuda humanitária que toma corpo para socorrer as vítimas do terremoto que devastou o país na noite de terça-feira. Hillary conversou ontem por telefone com o colega brasileiro, Celso Amorim, pela segunda vez na semana, também para coordenar os próximos passos. O presidente Barack Obama reafirmou o ¿compromisso especial¿ com o Haiti e anunciou que na próxima semana o efetivo militar dos EUA no país chegará a 10 mil combatentes ¿ o dobro do atual. Hoje, enquanto a secretária visita a capital haitiana, Obama se reunirá com os ex-presidentes Bill Clinton e George W. Bush, encarregados de organizar os esforços humanitários nos EUA.

Mais de 30 países, organizações internacionais, celebridades e cidadãos comuns já anunciaram doações, que ontem totalizavam mais de US$ 400 milhões ¿ quase a metade do orçamento fiscal do país para 2008, que alcançou US$ 967 milhões. O secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, se disse satisfeito com a ¿generosidade¿ demonstrada até agora, mas anunciou a criação de um fundo internacional, com a meta de arrecadar pelo menos US$ 550 milhões. ¿A maior parte desse dinheiro é para as necessidades urgentes¿, disse o secretário-geral, que também pretende viajar ao Haiti ¿muito em breve¿.

Os EUA lideram até aqui o ranking das contribuições, com US$ 100 milhões, mesma quantia anunciada pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil, que doou US$ 15 milhões, voltou a criticar os países ricos pelas contribuições ¿acanhadas¿. O Japão, com US$ 5 milhões, o Canadá com US$ 4,8 milhões, a Espanha (US$ 4 milhões) e a Holanda (US$ 2,8 milhões), se seguem ao Brasil no montente. A Organização das Nações Unidas (ONU) prometeu US$ 10 milhões e a União Européia, US$ 4,37 milhões.

Artistas de Hollywood engrossam a lista. O casal de atores Angelina Jolie e Brad Pitt anunciou a doação de US$ 1 milhão à organização Médicos Sem Fronteiras. O mesmo fez o magnata americano da televisão Ted Turner. Nos EUA, uma campanha via mensagens de texto por celular já arrecadou US$ 2 milhões, que deverão ser destinados à Cruz Vermelha. Empresas como Google e Walt Disney também ofereceram recursos aos haitianos.

Aviões carregados de equipamentos e pessoal de resgate dos Estados Unidos, da França,do Brasil e da Venezuela já chegaram a Porto Príncipe. A China enviou um avião )fretado) com 10 toneladas de comida, equipamentos médicos e cães farejadores.

Vizinhos Do outro lado da Ilha de Hispaniola, a República Dominicana também sentiu efeitos do terremoto. O secretário de Educação do país, Melanio Paredes, informou que 111 das 5.640 escolas públicas tiveram a estrutura abalada pelos efeitos do tremor. No entanto, apenas dois dos edifícios precisarão de uma intervenção drástica.

Como governante do país mais próximo, o presidente da República Dominicana, Leonel Fernández, acertou com o colega René Preval um plano de ¿resposta imediata¿ para mitigar os danos. Como prioridade, o acordo busca o restabelecimento das telecomunicações, o resgate dos sobreviventes e o sepultamento dos milhares de mortos. Os dois governos tratarão de restabelecer o fornecimento de eletricidade e água potável. Também elaboram um plano conjunto com a força de paz da ONU, a Minustah, e com os militares dominicanos.

Fernández destacou ainda que, como medida preventiva, iniciarão a vacinação da população nas áreas fronteiriças, para evitar focos de epidemia. ¿Toda pessoa que vá ao Haiti e entre na República Dominicana deve se vacinar¿, completou o diretor de Imprensa da Presidência, Rafael Núñez. O governo dominicano também abriu uma linha telefônica para pessoas e instituições canalizarem doações. ¿Estamos unidos com o povo haitiano nessa tragédia que, sabemos, será superada¿, disse Fernández antes de abraçar Préval.

Diálogo com Cuba

A catástrofe no Haiti desintegrou muitas famílias, mas conseguiu unir regimes políticos opostos em torno da solidariedade. O presidente de Cuba, Raúl Castro, anunciou ontem que permitirá aos aviões militares norte-americanos usar o espaço aéreo(1) da ilha para facilitar a chegada de ajuda ao Haiti. Segundo o porta-voz da Casa Branca, Tommy Vietor, a medida vai reduzir em 90 minutos o tempo de voo entre Miami e Porto Príncipe. O acordo autoriza que voos da base militar americana em Guantánamo sobrevoem Cuba diretamente para a Flórida.

Entre os dois países já existia um acordo que autorizava voos sobre o espaço aéreo cubano em casos de emergência médica. Devido à situação no Haiti, o regime cubano estendeu a permissão de forma permanente. Com isso, militares americanos enviaram sobreviventes haitianos para receber tratamento em Guantánamo. Com isso, algumas das vítimas puderam ser transportadas para a Flórida.

O chanceler Bruno Rodríguez informou que Cuba também enviará mais médicos ao Haiti. Segundo ele, não houve relato sobre vítimas entre os 403 cubanos que trabalham em programas sociais no país ¿ entre eles estão 344 médicos e paramédicos.

A cooperação não impediu que o ex-presidente Fidel Castro voltasse a alfinetar Barack Obama. No artigo A lição do Haiti, publicado pelo jornal Granma, Fidel ressalta que Cuba ¿apesar de ser um país pobre e bloqueado há muitos anos¿, mantém no Haiti cerca de 400 médicos e especialistas de saúde, além de formar centenas de jovens haitianos em medicina.

No texto, o ex-presidente, de 83 anos, pediu ¿soluções reais e verdadeiras¿ para o país destruído pelo terremoto. ¿O Haiti constitui uma vergonha da nossa época, em um mundo no qual prevalecem a exploração e o saque da imensa maioria dos habitantes do planeta¿, destacou Fidel. ¿O Haiti é um produto do colonialismo e do imperialismo, de mais de um século de emprego de seus recursos humanos nos trabalhos mais duros, das intervenções militares e da extração de suas riquezas¿, completou. (VV)

1- Aeroporto congestionado O chanceler brasileiro, Celso Amorim, telefonou ontem para a colega norte-americana, Hillary Clinton, para pedir prioridade aos aviões que transportam ajuda humanitária nos pousos e decolagens em Porto Príncipe ¿ o aeroporto está sendo operado por militares dos EUA. Amorim ponderou que se trata de uma dificuldade ¿natural¿, devido ao intenso movimento e à situação precária no Haiti, mas pediu ¿mais atenção¿. Dos oito aviões brasileiros que já partiram, apenas três chegaram a Porto Príncipe. Cinco voos aguardavam ontem autorização para pousar. ¿É importante ter clareza de que estamos sendo tratados com a prioridade adequada¿, disse Amorim. Segundo o chanceler, Hillary teve reação ¿muito positiva¿ ao problema e prometeu ¿reforçar¿ as orientações para a equipe no Haiti.

Gisele doa US$ 1,5 mi

Sensibilizada com a tragédia no Haiti, Gisele Bündchen, a modelo mais bem paga do mundo, fez um cheque de US$ 1,5 milhão em nome da Cruz Vermelha. Embaixadora das Nações Unidas para questões ligadas ao meio ambiente, a top, de 29 anos, deu à luz Benjamin há pouco mais de um mês. O jogador de golfe Tiger Woods, recluso desde o escândalo extraconjugal no fim do ano passado, também caprichou e doou US$ 3 milhões. Já a popstar Madonna doou US$ 250 mil dólares para as vítimas da catástrofe. ¿As minhas orações estão com o povo do Haiti. Não consigo imaginar sequer todo o sofrimento pelo qual eles estão passando¿, destacou Madonna no seu site.