Título: Guerra tenta manter eleitorado tucano de SP e MG a salvo da briga partidária
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2009, Política, p. A8

Ele está no meio do fogo cruzado, mas conseguiu até agora sobreviver ao tiroteio seguindo uma regra simples: "Fantasiar no mínimo e precisar no máximo". Esse foi o axioma, por exemplo, que Sérgio Guerra, 61 anos, senador por Pernambuco e presidente nacional do PSDB adotou para tratar das prévias para a indicação do candidato do partido a presidente da República. Quer dizer mais ou menos o seguinte: deixar tudo pronto para o caso de os tucanos efetivamente realizarem uma primária para escolher esse candidato entre os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), algo que muito poucos acreditam, inclusive no PSDB. Ruy Baron/Valor - 13/8/2008

Guerra: Nas contas do presidente do PSDB, Aécio tem 80% de aprovação e Serra terá mais votos que Alckmin em SP

Janeiro foi a prova de fogo de Guerra, que preside o partido desde novembro de 2007 e deve ser reconduzido no fim do ano. Isso, claro, se conseguir "fantasiar no mínimo e precisar no máximo" e sair incólume da guerra aberta entre Serra e Aécio pela indicação tucana. O próprio Guerra só teve noção da extensão do conflito ao desembarcar em Belo Horizonte, recentemente, para tentar apagar um dos muitos incêndios recentes do ninho tucano. Ali encontrou um Estado rebelado contra o que considera a preterição de Aécio pela cúpula do PSDB.

Nas entrevistas, teve que falar por mais de uma vez sobre o que pelo menos um repórter definiu como "a traição de Alckmin", numa referência à nomeação do ex-governador Geraldo Alckmin para uma secretaria de Serra. O tom era o mesmo nos encontros sociais que Sérgio Guerra manteve em sua curta estadia mineira. A "traição de Alckmin" foi um dos incêndios que o presidente teve de apagar: Aécio considerava o ex-governador um aliado estrategicamente postado no território inimigo, um handicap e tanto na disputa pela indicação partidária. Só que Serra cooptou Alckmin e nem sequer avisou Aécio.

Foi o suficiente para deixar emburrado - condição de todo tucano que se preza quando perde uma disputa - o governador mineiro. Coube a Guerra apaziguar os ânimos. Ele disse a Aécio que se tratara de uma questão meramente paulista, por isso Serra nem teria se dado conta de que deveria ao menos telefonar, num gesto de gentileza, ao governador mineiro.

Aécio fingiu acreditar na explicação - na realidade, desde dezembro do ano passado Serra informara integrantes da cúpula do partido que pensava em levar Alckmin para o governo. Além de recompor o PSDB paulista, havia uma outra razão: derrotado na eleição municipal, Alckmin estava sem contracheque no fim do mês. Guerra sustentou ainda o argumento segundo o qual Alckmin era um quadro importante para o partido, que ele mantém bons índices de aprovação no Estado de São Paulo e poderá ser estratégico nas eleições de 2010, seja como candidato a governador ou ao Senado (o candidato de Serra à própria sucessão é o secretário Aloysio Nunes Ferreira).

Já no período de definição das candidaturas a prefeito de São Paulo, em 2008, Guerra usara os mesmos argumentos para defender que Alckmin concorresse pelo PSDB, apesar da manifesta preferência de Serra pela candidatura de Gilberto Kassab. Um detalhe importante: durante a campanha municipal, Serra e Alckmin mantinham encontros quase semanais (e Serra apoiou formalmente Alckmin).

Janeiro foi mesmo um mês infernal para o governador de Minas. As fortes chuvas inundaram cidades mineiras e bairros de BH. Aécio se preparava para visitar um desses locais, na capital, quando foi alcançado por um telefonema de Guerra. O presidente tucano ligava para dizer que nada tivera a ver com uma notícia publicada na "Folha de S. Paulo" daquele dia, segundo a qual a visita que Guerra fizera a Minas, dias antes, fora para avisar que a cúpula do partido achava que Serra é que deveria ser o candidato tucano em 2010. Prometeu inclusive divulgar uma nota do partido.

Aécio, é claro, atribui a notícia a São Paulo. Como dizem pessoas próximas do governador, "não o governador, mas o entorno de Serra, um grupo especializado em criar situações de enfrentamento com Minas". Para caracterizar a total falta de fundamento da notícia, recorre-se em Minas à presença do secretário-geral do PSDB, Rodrigo de Castro, que é mineiro, na conversa de Guerra com Aécio. Em Brasília, atribui-se a notícia a grupos tucanos mineiros em guerra. O fato é que atualmente Serra realmente é majoritário na cúpula do PSDB, vantagem que Aécio tenta reverter com a proposta da prévia.

Não bastassem as futricas internas - as piores, segundo se avalia no PSDB -, em meados de janeiro também o Democratas (DEM) fez subir a temperatura no ninho dos tucanos. Depois de uma reunião em São Paulo, onde o DEM elegeu o prefeito Gilberto Kassab com o firme apoio de Serra, o presidente do partido, deputado Rodrigo Maia, deu a entender que os demistas prefeririam estar juntos com Serra, em 2010. A bomba explodiu em BH. Guerra procurou o ex-presidente do Democratas Jorge Bornhausen e pediu ajuda para apagar o incêndio. Os dois deram sorte: estava agendada para 20 de janeiro uma visita do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto ao governador mineiro. Eles almoçaram.

À saída, ACM Neto foi bombardeado por perguntas sobre a preferência demista por Serra. "Acho que é preciso examinar o contexto das declarações que foram dadas pelo próprio presidente Rodrigo Maia, que me afirmou ter colocado as coisas muito numa linha de que o Democratas deverá estar, que é o que acho, com o PSDB", tentou contemporizar o deputado. "O senhor é Serra ou ou o senhor é Aécio?", fulminou um repórter. "Eu sou quem o PSDB definir", escapuliu rapidamente o deputado.

Nesse clima, Sérgio Guerra fez uma viagem secreta a São Paulo. Foi conversar com Serra e com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Revelou preocupação com o estado de espírito de Aécio, um quadro que o PSDB não poderia deixar escapar nas eleições de 2010. Na ótica de Guerra, São Paulo e Minas Gerais, os dois maiores colégios eleitorais do país, os dois governados por tucanos, vão eleger o próximo presidente do Brasil. Aécio tem mais de 80% de aprovação dos mineiros; Serra - acredita Guerra - terá mais votos do que Geraldo Alckmin teve no Estado na disputa com Lula, que venceu. Moral da história: se um ficar contra o outro, os tucanos entram pensos na eleição.

Dias depois, Guerra voltou para uma nova conversa com Serra e arrancou do governador paulista o compromisso de apoiar as prévias reivindicadas por Aécio, se essa for a decisão do partido. O governador de São Paulo concordou, contrariado: ele ainda acha que o entendimento interno é a melhor forma de escolha do candidato tucano. Mas tirou o discurso de Aécio, ao concordar. O mineiro, por seu turno, resolveu fustigar o paulista e fazer mesuras ao presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), um desafeto de Serra. Mas antes se aconselhou com Sérgio Guerra, que não se opôs, sobre a visita ao novo presidente do Senado.

Até agora, Guerra se revelou um mestre na arte de se equilibrar e manter sob controle a renhida disputa interna tucana. A avaliação de caciques do PSDB é que a guerra interna deve ser prolongada e muito mais intensa do que foi até agora. A disputa recente pelo cargo de líder do PSDB na Câmara é que deixa dúvidas sobre a capacidade tucana de resolver conflitos sem deixar arestas. No caso, o líder José Aníbal articulou sua recondução ao posto sob o protesto da outra metade da bancada, que ameaça não seguir a orientação.

Guerra bem que tentou apaziguar os ânimos, mas não teve êxito. Serra, antes da disputa se agravar, tentou fazer um acordo que permitisse a recondução de Aníbal (que foi apoiado por Aécio) e ao mesmo tempo reservasse um lugar relevante para o deputado Paulo Renato Souza, ex-ministro da Educação de FHC. Também não teve melhor sorte. A dúvida é se a direção que não pacificou a bancada conseguirá um entendimento entre dois gigantes do partido - Serra e Aécio.