Título: Obama usa retórica de Bush para Doha
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2009, Internacional, p. A10
O governo do presidente Barack Obama sinalizou ontem uma postura rígida dos Estados Unidos em relação à Rodada Doha e cobrou concessões dos emergentes, evidenciando a dificuldade para uma eventual rápida conclusão do acordo global de liberalização, comercial como quer o Brasil.
Em seu primeiro posicionamento sobre Doha, a nova administração americana retoma a retórica do governo de George W. Bush, vendo o esboço de acordo na mesa de negociação como sendo contra os interesses dos exportadores americanos - e já faz pressão sobre os emergentes.
Para o governo Obama, o pacote na mesa na Organização Mundial do Comércio (OMC) é muito claro sobre o que os EUA devem pagar, mas não sobre o que os exportadores americanos podem ganhar em termos de acesso aos mercados dos parceiros para expandir seus negócios.
Havia grande expectativa na cena commercial sobre a primeira posição do governo Obama em relação à Rodada Doha. Isso veio no relatório anual sobre politica comercial que a Casa Branca envia todo mês de março ao Congresso.
Em Genebra, negociadores americanos procuraram alguns países parceiros para entregar o documento e avisar que se tratava de uma formalidade ao Congresso. As reações foram mistas. De um lado, o documento é considerado suficientemente vago para não inquietar. De outro, seu tom indica que a posição americana não facilitará um futuro acordo na OMC.
O setor privado dos EUA não esconde o descontentamento com as posições de países como o Brasil, principalmente na negociação sobre produtos industriais, estimando que esses países mantêm seus mercados fechados. O governo Obama deixa uma mensagem clara de que, sem ambição, ou seja, ampla abertura dos mercados dos emergentes, não haverá acordo tão cedo, apesar de considerar que o comércio é uma das chaves para superar a crise global.
Washington cobra dos emergentes que assumiram "responsabilidade adicional", compatível com sua crescente influência na economia mundial e, sobretudo, no contexto de crise generalizada.
Em sua agenda commercial, a nova administração americana dá mais ênfase na importância de proteção dos trabalhadores em acordos comerciais. E avisa que o comércio é um elemento a ser considerado na questão sobre ambiente. Os emergentes veem os dois temas com desconfiança, temendo protecionismo disfarçado.
A Casa Branca detalha os planos para tentar resolver rapidamente o acordo de livre comercio com o Panamá, e para examinar os acordos com a Colômbia e a Coreia do Sul. Durante a campanha, Obama tinha cobrado dos colombianos reduzir a violência contra sindicalistas e considerou que um acordo com os coreanos era desfavorável para a indústria automotiva americana.
Obama quer discutir com o Canadá e o México sobre o Nafta, o acordo entre os três, que tem sido criticado por sindicatos americanos por derrubar os salários e permitir empresas a processar governos diretamente sobre questões de investimentos.
Na área agrícola, Obama já anunciou que quer cortar os subsídios em vários bilhões por ano, mas a proposta tem pouco efeito sobre a combalida Rodada Doha. Para o Brasil, o que o governo Obama sinalizou ontem não facilita a negociação global na OMC. A expectativa agora é sobre o que os chefes de Estado e de governo vão dizer, ou não, sobre Doha na reunião do G-20 no dia 2 de abril em Londres.