Título: O crescimento do PIB e a inflação renitente
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Opinião, p. A18

O país já tinha se desacostumado, mas eis que comemora um crescimento de 5,2% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2004, frente a 2003. A notícia é razão suficiente para um espetáculo com fogos digno daqueles que clareiam as noites da baía da Guanabara, nos primeiros dias do ano, tomadas as taxas pífias de crescimento dos anos imediatamente anteriores - 0,5%, 1,9% e 1,3%, respectivamente. As dúvidas levantadas por especialistas, embutidas nos números divulgados na terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no entanto, obscureceriam a comemoração. Os números do IBGE adicionaram componentes a uma discussão que se intensifica sobre a sustentabilidade do crescimento econômico do país e seus efeitos sobre uma inflação que resiste bravamente a uma política monetária apertada. Parafraseando várias personalidades que usaram dessa imagem, trata-se de saber se a economia fez um vôo curto, como o das galinhas. Ou se, desta vez, arriscou um vôo de condor. E, mais do que isso, se é possível dar asas ao pássaro sem comprometer as metas de política monetária. Apesar da objetividade inerente aos números, eles sempre podem justificar teses opostas. O governo dá sinais claros de que pretende manter a rigidez da política econômica, para combater a inflação. Se tomarem a taxa desagregada do PIB de 2004, podem justificar ainda um longo período de aperto, decisão baseada na alta demanda interna, responsável por 80% do crescimento verificado no período. Ou, ainda, interpretarem a desaceleração ocorrida no último trimestre do ano como um sinal de que a contração monetária iniciada em setembro foi insuficiente para conter o movimento de reajuste de preços. Ou, da mesma forma, alimentarem a discussão se um suposto afrouxamento fiscal, no final do ano passado, teria anulado os efeitos dessa política. A leitura, no entanto, pode ser diversa. A desaceleração industrial do quarto trimestre de 2004 foi influenciada principalmente pela indústria extrativa mineral, cuja queda foi de 8% em relação ao trimestre anterior e negativa em 0,7% no acumulado do ano - leia-se, nesse item, produção de gás e petróleo. Mas. segundo o indicador de conjuntura da Rosenberg & Associados, a desaceleração do crescimento da indústria de bens de capital no último trimestre pode ser atribuída à acomodação do setor; e a perda do dinamismo da construção civil ao fim do período eleitoral. Há sinais de que essa desaceleração até agora teve pouca influência do aumento dos juros, que, no entanto, pode ainda tirar mais gás da economia nos próximos meses. Da mesma forma, os números do PIB do ano passado aparentemente não corroboram a tese de que que ocorreu um grande afrouxamento da política fiscal e de que isso tenha se constituído num impeditivo para o sucesso do aperto monetário na briga contra a inflação. Tomado o 0,48% de variação dessazonalizado do consumo do governo, dá-se razão a quem de direito. Na sua edição do dia 17, o Valor publicou uma frase do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy, negando as acusações de que a política fiscal de 2004 foi expansionista. "Esse pecado eu não cometi", disse ele. Não se pode, efetivamente, qualificar de "gastança" um resultado deste, ainda que boa parte do gasto de governo se dê em programas de transferência de renda, por exemplo, que na verdade vão aparecer é no consumo das famílias. Se a desaceleração da indústria, carro-chefe do crescimento anual do PIB, reflete até agora mais uma acomodação do que propriamente o resultado de política restritiva e se o consumo familiar ainda não arrefeceu, é razoável supor que os efeitos do rigor monetário do governo ainda estão por vir. O risco de manter a rigidez por muito mais tempo é o de que, quando BC e equipe econômica colocarem o pé no freio, a economia já esteja ladeira abaixo. Se o vôo da economia for de galinha, ou de condor, pode ser abatido entre duas batidas de asas. O anúncio pelo governo de um corte de R$15,9 bilhões no Orçamento da União pode ser tomado como um indicador de que o BC não está sozinho na luta contra a inflação. Além disso, se os números do IBGE mostram que a economia está em franca desaceleração antes mesmo de se fazer sentir os efeitos da política contracionista que se aplica desde setembro, eles devem servir de alerta ao BC. Se errar na mão, o governo pode comprometer a comemoração de um novo crescimento razoável do PIB em 2005.