Título: Taxa de câmbio, exportação e o paradoxo estrutural
Autor: Benedicto Fonseca Moreira
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Opinião, p. A18

Desde 1947, o país convive com "crise cambial" ou com a sua perspectiva. Criou-se a síndrome do medo. O que deveria ser apenas o resultado da relação de moedas, refletindo a força da economia e o poder das exportações, tornou-se assunto complexo, polêmico e de conteúdo, não raro, político-ideológico. Há consenso quanto à necessidade de modernizar a legislação cambial, com raízes nas décadas de 20 e 30. Rígida, anacrônica e inconsistente, é incompatível com o Brasil atual - que precisa de investimentos estrangeiros; decidiu pela abertura econômica, com inserção internacional competitiva; e precisa ampliar sua capacitação competitiva, em mundo globalizado e preferencializado. Existem resistências à sua adaptação para ser instrumento do projeto de Brasil desenvolvido. O obstáculo é a dogmatização do controle, fruto de medo e desconhecimento. O binômio cria a necessidade de excesso de leis e regulamentos, transmitindo intenção de "aprisionar" os recursos de capitais internados. Sistema complexo que visa restringir a liberdade de ação dos agentes pró-ativos da economia e ajuda a fundamentar a percepção de incerteza do mercado. Conforme a ocasião, ele pode induzir à taxa de câmbio excessivamente desvalorizada, ou valorizada, quando o seu papel deveria ser de instrumento de equilíbrio nas relações externas. Paradoxo estrutural, reflete o real excessivamente valorizado vis-à-vis o dólar e a elevação dos custos internos. Tendências opostas, afetando negativamente as exportações de mercadorias e serviços e estimulando as importações, já facilitadas pela ampliação da abertura econômica. A contra-argumentação a essa realidade se prende à expectativa de se obter importante superávit comercial em 2005, o que, para analistas desavisados, negaria a afirmação da "perversidade competitiva" do real valorizado. Superávit haverá, mas com taxas de crescimento invertidas - maior na importação e menor na exportação - gap que pode levar ao retorno do déficit comercial em 2006. O dano dessa perversão estrutural pode ir além de déficit em 2006, se ramificando, principalmente, em quatro direções: a) amplia a tendência à concentração de exportadores, contrariando o próprio esforço do governo, com muitas empresas deixando de exportar, sobretudo pequenas e médias; 2) afeta a expansão das exportações de bens de capital e produtos de maior conteúdo tecnológico, prioritários na política de exportação; 3) desestimula investimentos, principalmente estrangeiros, voltados à exportação; 4) induz empresas que não podem deixar de exportar a buscarem compensação para os custos internos, maior ou menor , conforme o comportamento do câmbio, comprimindo preços dos seus fornecedores domésticos, particularmente agropecuários e dos sub-contratados, e desempregando. Para alguns setores, a alternativa será elevar preços internos . De pronto, parece inviável a modernização do sistema econômico para permitir que perdas com valorizações da moeda se compensem com aumento de produtividade e redução de custos internos. Restaria ao governo, para sair do impasse "câmbio versus exportação" , optar por: a) deixar de "fazer inflação" e adotar medidas para reduzir custos, repondo a capacidade de competição da exportação; b) desvalorizar a moeda, permitindo a compensação de custos exacerbados pelas políticas governamentais; c) promover corajosa reforma da legislação cambial, adaptando-a à necessidade de fortalecer a competitividade da empresa nacional.

O sistema cambial deve ser um efetivo instrumento do desenvolvimento, não uma barreira interna

A primeira opção remete à política de exportação como projeto nacional hegemônico, sobretudo diante da decisão política de consolidar a abertura econômica com inserção internacional, o que torna a exportação fator determinante na sustentação do crescimento econômico. Ela tem que ser clara e abrangente, permitindo que os agentes econômicos tomem decisões em médio e longo prazo e busquem saltos sucessivos na produtividade. Apesar dos bons resultados conjunturais, a política de exportação é fragilizada devido à inadequação dos fatores que a compõem: burocracia pesada, cerceando a competitividade; logística dos transportes ruim e cara; sistema de financiamento ineficiente, com recursos escassos ; sistema tributário oneroso, limitante das vendas externas, tudo refletindo sobre os custos internos. Resta ao exportador, além de hercúleo esforço para melhorar a produtividade, reclamar maior desvalorização do real. Forçar a desvalorização não faz sentido para o BC porque o sistema vigente é o de taxas de câmbio flutuantes, não cabendo intervenções na sua formação. A celeuma dá a dimensão de mais um dos muitos paradoxos brasileiros. Padrão monetário valorizado agrada sob a visão política pela circunstancial componente de melhoria macroeconômica. Por outro lado, deixa exposto fatores negativos, ante as distorções apontadas. A terceira , talvez seja, de imediato, a única possibilidade de saída pragmática e programática para o imbróglio. A reforma na legislação cambial seria a oportunidade de eliminar o medo, superar a dogmatização e o ideologismo dos controles e tornar o novo sistema cambial um efetivo instrumento do desenvolvimento econômico e social, e não mais uma barreira interna. O atual sistema de câmbio dificulta a busca de maior nível de competitividade. O conflito entre regime cambial que ora se pratica e a legislação e procedimentos de épocas passadas transmitem conceito restritivo e negativo do ponto de vista do investidor. A política de juros elevados agrava o processo à medida que estimula o ingresso de recursos especulativos, com efeito conjuntural positivo no balanço de pagamentos, enquanto imprime maior volatilidade à taxa de câmbio, que afeta a exportação e estimula a importação, provocando efeito negativo na balança comercial. A BM&F realizou seminário sobre câmbio, em dezembro de 2003, com a participação de renomados especialistas, compondo excelente dossiê de análise e avaliação da política cambial, o qual mereceria atenção e análise das autoridades, vez que, muitas das medidas sugeridas, embora não supram a necessidade de outras, de caráter estrutural, podem contribuir para melhor equilíbrio da taxa de câmbio. Elas eliminariam fatores que distorcem a formação do preço da moeda, reduzindo o atual impasse, enquanto não se adotam as medidas estruturais que permitam a redução dos custos internos, a eliminação das barreiras internas à exportação e a facilitação para saltos na produtividade. As mencionadas opções apresentam dificuldades específicas, porém, o pior será não fazer nada, mantendo a atual postura paradoxal.