Título: Desafios na rota do crescimento
Autor: Luiz de Mello
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Opinião, p. A19
AA Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) concluiu novo estudo sobre a economia brasileira, o segundo elaborado pela organização, que traz uma avaliação, em geral, positiva das perspectivas da economia brasileira para os próximos anos. O ano de 2004 foi bom para o Brasil. A economia está em plena expansão, após alguns anos em que o crescimento manteve-se abaixo de seu potencial. Por esse motivo, a atual recuperação embute impulsos de natureza cíclica. Mas prevalecem as razões para o otimismo, ainda que cauteloso, no sentido de que as bases para o crescimento sustentado de longo prazo já estejam lançadas. Destaque-se, primeiramente, a intensidade do ajuste externo, que tem surpreendido até mesmo os analistas mais otimistas. O grande avanço reside na manutenção de expressivos superávits comerciais, sustentados pela expansão das exportações e não pela compressão das importações. O cenário ainda não é o ideal, mas o Brasil encontra-se, hoje, muito menos vulnerável a choques externos. Em paralelo, o país pode contar atualmente com uma "âncora institucional". O regime de metas de inflação e a Lei de Responsabilidade Fiscal têm desempenhado papel importante na condução da política macroeconômica. É difícil supor que políticas, ainda que bem formuladas, alcancem os resultados almejados sem um arcabouço institucional robusto. Essas instituições já passaram por vários testes de resistência nos últimos anos, emergindo dos momentos de turbulência, de um modo geral, mais fortalecidas. E daqui para frente? A tarefa fundamental será manter a estabilidade macroeconômica. A dívida pública vem se reduzindo como proporção do PIB e apresenta uma dinâmica bem menos perversa do que há dois ou três anos. Mas ainda mantém-se em patamar elevado. Alcançar as metas de superávit primário já é um grande avanço, mas adotar uma meta mais ambiciosa seria, hoje, ainda melhor. Isso permitiria que a dívida pública alcançasse rapidamente patamar mais confortável, evitando o viés pró-cíclico -- freqüente em países endividados -- de aperto fiscal em períodos de "vacas magras" e de gestão expansionista quando as condições financeiras tornam-se favoráveis. Nas economias emergentes, assinale-se, a política anticíclica não é prerrogativa do governo, mas conquista associada à consolidação fiscal. Quanto à política monetária, prevalece nos mercados a percepção de que o BC é independente de fato, o que é um avanço de grande relevância. Mas a concessão à autoridade monetária de autonomia operacional legal poderia ter impacto ainda mais significativo nas expectativas. Ressalte-se que o importante é não se desviar do objetivo fundamental do regime de metas de inflação: alcançar taxas de inflação moderadas e estáveis no longo prazo.
Alcançar as metas de superávit primário já é um grande avanço, mas adotar uma meta mais ambiciosa seria, hoje, ainda melhor
O estudo da OCDE explicita três grandes desafios, além da gestão macroeconômica, que precisam ser enfrentados com vistas a firmar o Brasil na rota do crescimento sustentado. Em primeiro lugar, será importante melhorar a qualidade do ajuste fiscal, que tem sido alcançado, ao longo dos anos, por meio da elevação da carga tributária e de cortes nas despesas discricionárias, inclusive do investimento público. Como resultado, o Brasil tem atualmente uma carga tributária bem mais elevada que a de países com nível de renda comparável. Como as despesas são rígidas - em função da vinculação de várias receitas, por exemplo - torna-se difícil ajustar pelo lado do gasto corrente. Nesse contexto, a reforma da Previdência faz-se imprescindível. A experiência de vários países da OCDE evidencia que o ajuste fiscal tende a ser mais duradouro - no sentido de promover a redução sustentada do endividamento público - quando fundamentado pela redução da despesa corrente. Somente a diminuição das pressões sobre o gasto corrente permitirá a redução da carga tributária no futuro, sem comprometer a consolidação fiscal, o que, em última instância, permitirá o redirecionamento dos recursos orçamentários para o adequado atendimento das prioridades econômicas e sociais do país. O ambiente de negócios também pode ser fortalecido, configurando-se, assim, o segundo desafio. Obviamente, a volatilidade da economia, por si só, já desestimula o investimento, mas há outros entraves. A Lei de Falências desempenhará papel relevante para o estímulo do crédito e a redução dos custos de intermediação, extremamente elevados no Brasil. Também é importante reduzir as incertezas regulatórias. O novo modelo para o setor elétrico foi bem concebido, mas o risco de "falha regulatória" não deve ser menosprezado, já que o governo desempenhará papel importante no planejamento de longo prazo. O atual impasse sobre a titularidade dos serviços de água e saneamento entre Estados e os municípios constitui-se obstáculo considerável à retomada dos investimentos no setor. As parcerias público-privadas, por sua vez, oferecem nova modalidade de financiamento do investimento, mas precisam ser conduzidas de modo responsável e sem comprometimento do dos esforços de ajuste fiscal. O terceiro desafio diz respeito às políticas sociais. O problema é que se gasta muito com programas sociais, mas, em geral, de forma ineficiente. Vários programas de caráter contributivo, que não concorrem para a redistribuição de renda, tais como as aposentadorias, respondem por parcela significativa do gasto social total. Em contraste, gasta-se relativamente pouco com programas assistenciais que são adequadamente focalizados, tais como as transferências de renda e as pensões rurais. Aumentar o orçamento social por si só não resolveria o problema. É necessário aperfeiçoar os programas sociais, sempre de forma incremental e contínua, com vistas a torná-los mais eficientes. Nesse sentido, o governo tem papel essencial na redução das disparidades sociais e na acumulação de capital humano, sem as quais os frutos do crescimento sustentado não poderão ser compartilhados de forma eqüitativa entre os diversos segmentos da sociedade.