Título: Debate míope em torno da TJLP
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Opinião, p. A`19

Quando inventou a TJLP, em fins de 1994, o economista Persio Arida teve em mente a preocupação de resolver uma questão imediata: criar uma taxa de longo prazo que pudesse atender às necessidades de investimento do setor privado e que fosse descolada da Selic, a taxa de curto prazo. Era preciso "criar uma taxa insulada do resto", como ele reitera hoje. Algo que funcionasse primeiramente no âmbito do BNDES, mas que servisse como espécie de embrião indutor para o alongamento do crédito no sistema bancário do país. Estávamos, então, nos primeiros cinco meses do processo de estabilização. A equipe econômica do Real - da qual Persio, na função de presidente do BNDES, era um dos expoentes - debatia-se em torno da delicada questão da valorização cambial e sofria pressão diuturna dos setores industriais, que temiam a concorrência dos produtos importados, barateados ainda mais com a redução das alíquotas de importação. Dez anos depois, a estabilidade parece consolidada, mas o país continua vivendo no curto prazo. O único crédito interno disponível de longo prazo, a taxas palatáveis para quem pretende investir, é justamente aquele que nasceu dos rascunhos de Persio. Quando foi introduzida, a metodologia de cálculo da TJLP previa que seria extraída pela taxa média de remuneração dos títulos públicos vendidos no mercado externos (com peso máximo de até 75% na fórmula) e pela taxa média dos papéis públicos destinados à captação no mercado interno (com peso de, no máximo, 25%). Quando bolou a fórmula, Persio percebeu que teria de apegar-se a algo que desse o sentido do que poderia ser uma taxa de juro de longo prazo no país. A única referência de mercado (e ainda é a referência, hoje) limitava-se às taxas de captação de longo prazo no mercado internacional. "Eu consigo emitir títulos de longo prazo para Brasil com taxas ditadas em Nova York, mas não consigo colocar papéis do mesmo tipo no mercado de São Paulo", comenta Persio. A partir dessa dura realidade, é fácil perceber que a taxa pela qual o Tesouro Nacional capta no exterior para prazos longos, de dez anos - dólar mais 7,8% ao ano - é inexistente internamente no segmento de taxas livres de mercado. Mas, se é verdade que o longo prazo brasileiro vale aquele preço lá fora (o que corresponderia a 7,8% mais inflação aqui dentro ou algo em torno de 13% ao ano), também é verdade que o longo prazo no Brasil não pode valer 18,75% ao ano, a taxa Selic do BC para o curto prazo. São bichos diferentes. A metodologia da TJLP mudou. Mas o fato concreto é que o BNDES continua sendo o único nicho do crédito de longo prazo no país, o que não deixa de ser uma distorção. Os recursos provêm de poupança cativa, originalmente alimentada pelo recolhimento do PIS e do Pasep e depois reforçados, na Constituição de 1988, com a criação do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), encarregado de assumir o pagamento do seguro-desemprego e do 14º salário para o trabalhador com renda de até dois salários mínimos por mês. A própria Constituição previu que 40% dos recursos do FAT deveriam ser destinados aos empréstimos do BNDES.

A metodologia da TJLP mudou, mas o fato é que o BNDES continua sendo o único nicho de crédito de longo prazo no país

Na medida provisória que redigiu na época, encaminhando o projeto de lei que propunha a criação da TJLP, Persio argumentou que a nova taxa precisava buscar, nos juros externos de captação brasileira, o referencial para uma taxa de longo prazo no país. O dinheiro, quando não ia para os programas vinculados aos interesses dos trabalhadores, já era usado para empréstimos ao setor privado, por parte do BNDES. Só que a taxas diversas, referenciadas aos juros de curto prazo e, portanto, não identificadas com a noção de taxa de longo prazo. O FAT, que com o tempo foi ganhando a forma de um fundo fiscal, continua sendo remunerado à taxa de 6% ao ano. A diferença entre isso e a TJLP (que hoje está em 9,75% ao ano) é capitalizada pelo BNDES. Para o tomador final, o custo é a TJLP mais uma comissão do BNDES que varia de 1% a 4% e mais o "spread" (taxa de risco) cobrado pelo banco repassador dos recursos. É importante ter essas informações em mente para que se possa entender um importante ponto levantado nas recentes discussões em torno da TJLP. Trata-se da questão do subsídio. É claro que comparado à taxa de juros de mercado, o nível de juros da TJLP embute um grande benefício para o tomador. É a tal alternativa de custo. O tomador que tem acesso aos empréstimos do BNDES a taxa inferior à taxa de mercado sai ganhando e, diga-se, é esse mesmo o espírito da TJLP desde quando foi criada. Pode-se argumentar, visto do ângulo do governo, que os recursos do FAT continuam sendo remunerados à taxa de 6% ao ano, e que o BNDES deixa de ganhar a diferença entre a Selic e a TJLP, mas que, afinal, todo o capital do BNDES pertence à União. A discussão em torno do subsídio faz mais sentido quando parte da outra ponta, ou seja, da ponta de quem tem efetivamente direitos vinculados aos recursos daqueles fundos, seja o FAT ou o fundo de participação do PIS e Pasep, em vias de extinção. Isso porque em face de todas as taxas de juros praticadas na economia brasileira, com ou sem mercado cativo, aqueles fundos são os que recebem a mais baixa remuneração. É dinheiro, em tese, dos trabalhadores, assim como é dinheiro do trabalhador o saldo do FGTS, que não tem nada a ver com a TJLP, mas que é remunerado a TR mais 3% ao ano. Do ponto de vista do Tesouro Nacional é óbvio que melhor seria não ter competidores. Se a TJLP seguisse a Selic, os recursos hoje aplicados em investimentos, a partir dos empréstimos tomados junto ao BNDES, provavelmente tomariam o destino das aplicações em títulos da dívida pública interna. Dito de outra forma: o subsídio que hoje vai para a iniciativa privada seria destinado ao setor público, e os trabalhadores, com sua poupança cativa, continuariam pagando por isso. No fundo, sobra a constatação de que o país não consegue gerar espontaneamente linhas de financiamento de longo prazo, dificuldade que continua inquietando a mente de Persio Arida. Essa é a verdadeira questão com a qual deveriam se preocupar todos, inclusive o governo.