Título: Setor têxtil reivindica proteção contra China
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Especial, p. A20

A visão do Brasil sobre a economia chinesa já está mudando. Hoje, boa parte dos setores industriais brasileiros já encara a China muito mais como um desafio do que como uma janela de oportunidade para novos negócios. A desvalorização do câmbio chinês frente ao dólar, aliada ao desrespeito às leis de propriedade intelectual e à ausência de mecanismos de proteção do mercado de trabalho, têm imposto uma concorrência desleal aos produtos do Brasil. O setor têxtil já reclama dos produtos chineses há tempos e ontem pediu ao governo brasileiro, mais uma vez, a adoção de salvaguardas para proteger empresas nacionais. Para Josué Gomes da Silva, presidente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) e da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas), o déficit comercial da indústria têxtil vai aumentar ainda mais em 2005. Segundo ele, entre 2004 e o anterior o saldo comercial entre os dois países na cadeia têxtil e de confecção ficou quase 96% maior e alcançou US$ 219,12 milhões. "Precisamos dar aos produtos importados o mesmo tratamento que recebem os nacionais", enfatizou. Os pedidos da Abit vão além da regulamentação da salvaguarda têxtil contra a China, que pode ser usada após o fim da proteção pelas cotas em dezembro de 2004, uma vez que essa foi uma condição imposta quando o país entrou na Organização Mundial do Comércio (OMC). O executivo da Coteminas defende a aplicação da lei brasileira de etiquetagem de produtos têxteis, a implementação de licença de importação não automática para produtos sensíveis provenientes da China, além da criação de um canal entre as aduanas brasileira e chinesa para evitar o subfaturamento dos produtos chineses. Pelos cálculos da associação, nos últimos dois anos as importações do setor procedentes da China cresceram 275%. Em 2002, 21% do total das importações brasileiras era proveniente do país. Agora, esse percentual chega a 61%, ao mesmo tempo em que a compra de produtos têxteis de outros países caiu 36% no período. Por outro lado, o governo chinês também deixa claro a que veio e não se mostra afável. Ontem, o embaixador da China no Brasil, Jinang Yuande, criticou o reajuste de 71,5% no preço do minério de ferro fornecido pela empresa brasileira Vale do Rio Doce à chinesa Baosteel, que negociou a compra do produto para uma associação que reúne 13 siderúrgicas da China. "Para quem importou 200 milhões de toneladas de minério de ferro no ano passado esse aumento significa muita coisa", disse. Segundo ele, o governo chinês não reclamou para mostrar que é uma economia de mercado. Mas ao lembrar que a Índia já ultrapassou o Brasil como fornecedor desse produto para a China e cobrar das empresas brasileiras mais agilidade e agressividade de suas políticas com o país, Yuande deu a entender que a Índia poderia substituir o Brasil como fornecedora de minério para os chineses. Para o secretário-executivo do Conselho Empresarial Brasil-China e executivo da Vale do Rio Doce, Renato Amorim, a declaração do embaixador foi política e visa a defender os interesses do país, um grande comprador de commodities que naturalmente se preocupa com os preços internacionais. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também está atenta à concorrência chinesa e decidiu criar uma divisão especial para acompanhar de perto as relações comerciais entre os dois países. O presidente do Conselho Superior de Comércio Exterior da Fiesp e ex-embaixador Rubens Barbosa contou que essa nova divisão terá um equipe que ficará responsável pela orientação para empresas brasileiras que se sintam lesadas pelas importações chinesas ou em casos de dumping. "Assim, os empresários vão poder pedir ao governo que aja por meio de salvaguardas ou de ações antidumping contra os produtos da China", explicou Barbosa. O presidente da Abit enfatizou ainda que a preocupação do setor não cresceu com o fim das cotas em dezembro do ano passado. Na sua opinião, isso trouxe vantagens e oportunidades para o crescimento das exportações brasileiras para outros países. "O Brasil precisará desbravar novos mercados", disse. Segundo ele, o temor da indústria têxtil está no fato de boa parte das importações chinesas ser ilegal, "seja por falha de declaração, seja por subfaturamento". Ele calcula que o preço médio das importações de vestuário originadas da China para o Brasil é 79% mais barato do que o preço das americanas de mesma origem.