Título: O crescimento dos gastos das câmaras de vereadores :: Marcos Mendes
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2009, Opinião, p. A12

Tramita no Senado a PEC nº 47/2008, cujo objetivo é reduzir o teto de gastos das câmaras de vereadores. Por que motivos a Constituição deve impor esse tipo de restrição às administrações municipais? Não seriam os governos municipais, democraticamente eleitos por sua população, capazes de definir o montante ideal de despesa de suas câmaras, sem a necessidade de intromissão externa?

Aparentemente, não. Desde a promulgação da Constituição de 1988, tem-se observado acelerado crescimento da despesa dos legislativos municipais. Há dispositivos constitucionais que limitam a capacidade do Executivo local de contingenciar as verbas dos legislativos, e que dão a esses últimos autonomia para definir o próprio orçamento. Resta pouco espaço aos prefeitos para controlar essa despesa. Tais mecanismos foram criados para evitar que o Executivo pressione as câmaras mediante racionamento de verba, mas parece que acabaram sendo usados para expandir as dotações dos legislativos muito além do necessário.

Por isso, parece haver justificativa para se impor, na própria Constituição federal, um limite máximo de gastos dos legislativos municipais (como, de fato, se faz desde a aprovação da Emenda Constitucional nº 25, de 2000, que introduziu tais limites no art. 29-A).

Dada a necessidade do limite, cabe perguntar se há motivos para mudar os parâmetros atualmente vigentes e, sendo necessária a mudança, que tipo de modificação fazer. Tanto o limite vigente quanto o proposto na PEC 47/2008 estão fixados como percentuais da receita do município: à medida que cresce a receita, a câmara passa a ter um limite mais amplo para seu orçamento. Esse procedimento parece inadequado.

As câmaras de vereadores realizam um trabalho padrão de proposição e aprovação de leis, bem como de fiscalização das ações do executivo local. Não há motivos para que as despesas das câmaras flutuem ao longo do tempo, de acordo com a variação da receita do município. Uma câmara precisa ter uma estrutura permanente de funcionários e um conjunto de instalações fixas para realizar uma tarefa rotineira. Isso é muito distinto, por exemplo, da ação de uma secretaria de saúde que, à medida que a receita do município cresce, expande o número de postos de atendimentos, constrói novos hospitais e amplia a clientela atendida.

É aceitável que uma câmara tenha aumento real de gastos em alguns momentos do tempo. Por exemplo, a construção de uma nova sede e a contratação de assessores mais qualificados. Porém, não se pode considerar normal que um grande número de câmaras apresente crescimento real da despesa ao longo de vários anos.

Por outro lado, quando a receita cai, faz sentido encolher o tamanho dos programas de saúde e diminuir o ritmo de obras da prefeitura; mas não faz muito sentido diminuir o número de vereadores com vistas a um ajuste fiscal. Ou seja, a natureza do trabalho legislativo indica que suas despesas não devem crescer no mesmo ritmo das demais durante a bonança, nem devem cair fortemente nos momentos de ajuste fiscal.

Daí porque, a princípio, não faz sentido vincular o teto de gastos à receita municipal realizada a cada ano, pois isso gera ineficiência tanto nas fases ascendentes quanto descendentes dos ciclos econômicos.

Pode-se argumentar, a favor da fixação do limite como proporção da receita, que esta é uma proxy do nível de renda e do tamanho da população municipal e, portanto, da complexidade do trabalho da câmara. Entretanto, se for para diferenciar os municípios em função de suas características, é melhor que se use a variável população, que tem uma correlação bastante alta com a receita municipal (0,96), mas não oscila tanto quanto aquela.

O gasto agregado das câmaras não tem crescido muito, e não representou, no passado recente, impacto deletério sobre as contas fiscais agregadas do país. De acordo com dados do Tesouro Nacional, entre 1999 (um ano antes da imposição do limite atualmente vigente) e 2007 (último ano com dados disponíveis), a despesa legislativa dos municípios cresceu 28% acima do IPCA. Taxa muito inferior à expansão da despesa corrente (62%) e da receita total (76%).

Contudo, esse crescimento moderado foi consequência da redução real dos gastos das câmaras de alguns municípios grandes e médios (no município de São Paulo, por exemplo, houve redução real de 36%), cujo valor absoluto da despesa é grande o suficiente para influenciar a despesa agregada de todas as câmaras. Em paralelo, houve forte expansão dos gastos em municípios pequenos.

A tabela a seguir mostra que em mais da metade dos municípios a despesa real das câmaras cresceu acima de 40%, entre 1999 e 2007. Logo, o que temos é um problema de ordem microeconômica: há um grande número de municípios em que a expansão excessiva da despesa da câmara de vereadores extrai recursos que poderiam ser aplicados em outras políticas públicas.

Frente a esse diagnóstico, há um leque de parâmetros para fixação dos limites: a despesa passada da própria câmara, corrigida pela inflação (passada ou prevista); limite fixado em reais como uma função contínua da população; ou, até mesmo, a vinculação à receita municipal com a fixação de bandas superiores e inferiores para evitar a forte oscilação dos limites. A repactuação dos limites a cada dez anos permitiria ajustes que se fizessem necessários. Limites desse tipo teriam diversas vantagens: acabariam com a vinculação plena de receitas (sendo, portanto, um exemplo para próximas reformas na área fiscal); não sufocariam financeiramente os legislativos e aliviariam os orçamentos municipais no longo prazo.

Marcos Mendes é consultor-legislativo do Senado Federal (mendes@senado.gov.br). As opiniões expressas nesse artigo são de responsabilidade do autor, não refletindo posição oficial da instituição para a qual trabalha.