Título: Cobre a conta da falta de luz
Autor: Mendes, Karla
Fonte: Correio Braziliense, 18/01/2010, Economia, p. 8

Aneel reduz o tempo máximo durante o qual as concessionárias poderão interromper o fornecimento de energia. Se não cumprirem, terão que dar descontos aos clientes

As concessionárias de energia elétrica vão ter que pesar a mão nos investimentos e correr contra o tempo para melhorar a qualidade dos serviços prestados aos usuários e evitar apagões. Caso contrário, terão um rombo no caixa. Desde o dia 1º, entraram em vigor regras mais rígidas de punição às empresas que ultrapassam os limites de tolerância na interrupção do fornecimento de energia fixados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Em vez de pagar multa à agência, as distribuidoras terão de ressarcir o consumidor por meio de descontos na conta de luz do mês seguinte à ocorrência do blecaute.

O tempo máximo de interrupção dos serviços de energia sem punição às companhias foi reduzido drasticamente. No Distrito Federal, chegava a 22 horas por mês e caiu para até 4,8 horas, dependendo da região. Para se ter uma ideia de como a situação era favorável às empresas em detrimento dos consumidores, até dezembro, os moradores do Lago Norte podiam ficar até 17 horas por mês no escuro sem que a concessionária, no caso, a CEB, tivesse que prestar contas. Agora, o índice baixou para 5,19 horas (veja quadro do lado).

Sem torcida Com índices mais apertados para as distribuidoras, as indenizações a serem pagas aos clientes aumentarão consideravelmente. Em Sobradinho, por exemplo, se o consumidor ficasse 18,14 horas sem energia elétrica durante o mês, o valor descontado na fatura era de apenas R$ 2,13. Agora, o abatimento será de R$ 7,76 ¿ quase quatro vezes mais. Já no Plano Piloto, o ressarcimento por 14,3 horas no escuro passará de R$ 6,05 para R$ 15,55. Os descontos começarão a aparecer nas faturas com vencimento em março, já que as concessionárias têm prazo de um mês para apurar os índices e enviá-los à Aneel.

O valor a ser restituído ao cliente pela falta de energia será 15 vezes superior ao que ele paga pelo serviço. Ou seja, se cada hora de consumo custa R$ 1, um apagão de uma hora dará direito a R$ 15 de ressarcimento. Mas, apesar do aumento dos reembolsos, é óbvio que o consumidor não quer que falte energia. ¿Não estamos dizendo que ele (consumidor) vai trocar a falta de energia (por compensação). Ele não vai torcer para faltar energia para ganhar dinheiro. Não é esse o objetivo. O objetivo é que, na medida em que a gente aperta o limite da concessionária, ela olhe mais de perto para seus clientes. Porque, senão, começará a pagar compensações¿, afirma Paulo Henrique Silvestri Lopes, superintendente de regulação dos serviços de distribuição da Aneel.

Na divulgação das novas regras, em dezembro passado, falou-se que o valor das indenizações individuais era baixo. Lopes observa, contudo, que, como as empresas terão de fazer a compensação para um número muito grande de clientes, o impacto no caixa será significativo. Se o valor da indenização for de R$ 5 para um milhão de consumidores, o desembolso chegará a R$ 5 milhões. ¿Isso é uma forma de punir as companhias e compensar os consumidores que não forem atendidos dentro dos limites. As empresas vão começar a sentir no caixa. Para evitar isso, terão que investir para melhorar a prestação dos serviços¿, afirma Lopes.

Com as novas regras, o consumidor terá papel de destaque na fiscalização do cumprimento das metas pelas empresas, pois os índices estipulados pela Aneel e os apurados pelas concessionárias vêm discriminados na fatura. Se o consumidor discordar das informações enviadas pelas distribuidoras, a agência vai apurar se há erro. ¿Se o consumidor verificar que, na fatura dele, o número de horas que aparece não é o que ele realmente ficou sem energia, tem que procurar a Aneel. O consumidor será o grande fiscal¿, ressalta o superintendente.

Ele pondera que há dificuldades à vista, porque algumas exceções não são consideradas e o consumidor terá de conhecê-las. Se a interrupção decorrer de obras de interesse exclusivo do usuário, o período em que a residência ficou sem luz não entrará no desconto. Caso o serviço seja suspenso por uma emergência ou calamidade pública, como em Angra dos Reis, também não haverá abatimento. ¿Existe dificuldade para saber tudo. Mas se o consumidor ficou quatro horas sem luz e a empresa só registrou duas, ele reclamará à Aneel e a agência avaliará todas as questões¿, diz.

Regra antiga favorecia empresas

Se a nova metodologia de punição por falta de energia elétrica estivesse em vigor em 2008, em vez de terem pagado R$ 131,9 milhões em multas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) por causa de apagões, as concessionárias teriam desembolsado R$ 180,8 milhões. ¿Essas multas eram pagas, mas as empresas não melhoravam. Agora, terão que agir, atender bem a clientela. Se fizerem isso, não terão que pagar nenhuma compensação. É isso que nós queremos¿, diz Paulo Henrique Silvestri Lopes, superintendente de regulação dos serviços de distribuição da Aneel. Ele afirma ainda que, se antes da mudança das regras, apenas 10% das multas eram revertidos aos consumidores em forma de abatimento nas contas de luz, agora, 100% serão repassados.

O aumento dos valores das punições às distribuidoras é resultado da mudança no cálculo do índices de violações no fornecimento de energia elétrica. Até 2008, as empresas pagavam tanto por transgressões dos indicadores coletivos quanto pelos individuais. Desde o dia 1º, porém, as penas são aplicadas somente por violação dos indicadores individuais, e ficaram bem mais rigorosas.

A mudança era necessária, segundo Lopes, para melhorar o atendimento e corrigir as distorções dos índices coletivos. Ele lembra o caso de uma concessionária do interior de São Paulo que tinha de cumprir o limite de sete horas mensais para interrupção de energia em uma determinada região e o apagão durou, em média, 3,5 horas. Pela regra anterior, a distribuidora compensou sete consumidores. Com o novo critério de índices individuais, cerca de 16 mil clientes teriam que ser indenizados. ¿Ou seja, 16 mil pessoas não estavam sendo olhadas porque a média estava boa¿, destaca.

Carlos Leal, assessor da diretoria de comercialização da CEB, garante que o impacto das novas regras para a companhia será pequeno, em função dos investimentos que estão sendo executados. ¿Os casos de interrupção nas áreas de rede subterrânea, como o Plano Piloto, são os melhores índices do Brasil¿, afirma. O executivo concorda que, para o consumidor, a qualidade do serviço prestado deve ser cada vez melhor. ¿A concessionária terá que melhorar o fornecimento de energia. Se não fizer isso e evitar os desligamentos, pagará caro¿, admite. (KM)