Título: Exportadores criam fila do frango de olho em cotas da UE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2009, Agronegócios, p. B11

Desde a terça-feira de Carnaval, o desempregado Ari Sergio Verussa tem passado os dias em uma fila inusitada. De dentro de seu Fusca 1979, estacionado em frente à sede do Ministério do Desenvolvimento, o paranaense de 45 anos aguarda a abertura do prazo para registrar um pedido de exportação de frango em nome da Cooperativa Agroindustrial Consolata (Copacol). O plantão diário vai das 7h às 19h. Depois, outro contratado o rende até a manhã seguinte. Ruy Baron/Valor

Daniel Hugue (esq.), Ari Sergio Verussa e Alex Gomes da Silva na "fila" que as empresas criaram de olho no mercado da UE

Como Verussa, há outros quatro "representantes" de empresas interessadas em exportar à União Europeia dentro das novas regras negociadas pelo governo brasileiro para as chamadas cotas de exportação com tarifas reduzidas. A "fila do frango" reflete o nível da disputa pelo direito de vender pelo regime de cotas. Em jogo, está uma diferença de US$ 320 milhões que podem ser embolsadas pelos 40 frigoríficos habilitados nesse sistema. A fila incomum deriva de uma exigência das autoridades europeias em manter 30% do total da cota para quem chegar primeiro ao guichê do protocolo. Atrás disso estão as cooperativas C.Vale, Copacol, Lar e Copagril, além das empresas Big Frango e Sadia.

Com a perspectiva de permanecer nesta campana até 1º de abril, quando poderá entregar o pedido no guichê oficial, Verussa tem a companhia do estudante universitário Leonardo de Lima Albuquerque, 25 anos, acampado no saguão de entrada do ministério em nome da C.Vale Cooperativa Agroindustrial. O "concurseiro" brasiliense se reveza dia e noite com a mãe e o padrasto para não perder o alegado primeiro lugar na fila. Está lá, diz, há 13 dias. Reivindicando o terceiro posto na fila, o operador de mercados Daniel Hugue, 29 anos, deixou Medianeira, no oeste do Paraná, no sábado. Está em um hotel para defender o interesse das cooperativas Lar e Copagril das 7h às 15h. Também na fila, outro "concurseiro", Alex Gomes da Silva, 21, guarda vaga para a Big Frango em expediente das 6h às 14h. Um representante da Sadia, que não quis se identificar, também dá plantão na porta do ministério.

O Ministério do Desenvolvimento informa que a "fila do frango" é desnecessária porque o sistema de protocolo dos pedidos de embarque passará a ser eletrônico. A associação dos exportadores (Abef) já havia pedido, em fevereiro, a revisão da regra original.

"É mais uma coisa dos desinformados porque acham que chegando primeiro na fila terão o direito", diz o secretário de Comércio Exterior, Welber Barral. "Já comunicamos às empresas, mas parece que elas não acreditam no governo".

Barral lembra que, antes de fazer o pedido, as empresa precisam da licença do importador na UE. "Nunca tivemos esse circo antes. Não adianta ficar aqui se não tiver a licença". Para evitar mais problemas, o governo decidiu mudar o sistema, até então manual. "Vamos fazer de forma eletrônica, avaliando pelo registro do sistema quem protocolou antes. E vamos usar a reserva técnica do trimestre passado, que é um saldo alto, para atender quem ficou de fora", afirma Barral. Ele diz que algumas empresas chegaram a colocar licenças vencidas e usar documentos de outras empresas. Por isso, a mudança também seria necessária.

As empresas brasileiras passaram a ter direito de exportar para a UE com impostos reduzidos depois de ganhar um contencioso na OMC contra a elevação da tarifa ao frango salgado. O acordo de cotas trimestrais vale para 342,6 mil toneladas de três tipos de produto. O frango salgado paga 15,4% até o limite de 170,8 mil toneladas. Fora disso, é cobrada tarifa de 1,3 mil por tonelada. O frango processado (cozido) paga 8% em até 79,5 mil toneladas. No extra-cota, sobe a 1,024 mil. No caso da carne de peru processada, o bloco cobra 8,5% de tarifa até 92,3 mil toneladas e o excedente paga 1,024 mil por tonelada.

As empresas reclamam da portaria do governo, que não contemplou inicialmente o registro eletrônico. O presidente da Lar, Irineo da Costa Rodrigues, resume: "Há três meses, dormimos no ponto e tivemos um volume menor. É um jogo bruto, esquisito", afirma, em referência à distribuição anterior da cota, ainda em dezembro de 2008. "Podia fazer uma estatística decente para evitar esse prática absurda, medieval". Ele estima gastar R$ 10 mil para manter sua vaga na "fila do frango". O gerente industrial da C.Vale, Reni Girardi, diz que a cooperativa optou pela fila para garantir sua sobrevivência. "Fomos penalizados, sentimos o baque. Mas queríamos isso livre. Por isso, estamos desde o dia 19 na fila. Precisamos desse espaço", afirma. Neste primeiro trimestre, a C.Vale obteve licenças para 2 mil toneladas de frango salgado e 800 toneladas de cozido dentro da regra dos 30%. "Mas não atendeu aos 8,5 mil cooperados", diz Girardi.

No mercado, algumas fontes informam que a divisão da cota em 60% para a performance histórica de exportação e 30% para quem chegar primeiro reflete justamente o pedido das cooperativas e pequenos exportadores - há ainda 10% para "novos entrantes". As grandes empresas queriam 90% da cota por performance. No cota, a Lar vende o frango salgado a US$ 2,4 mil por tonelada, conseguindo de US$ 700 a US$ 800 extras. Mas o novo regime prejudicou a empresa. Antes da nova cota, 80% da produção para a UE embarcava pela cota. Agora, isso baixou para 30%. Procuradas pela reportagem, a Sadia, Copacol, Big Frango não responderam aos pedidos. A associação dos exportadores (Abef) não quis se manifestar.