Título: Gastos correntes crescem bem mais que investimentos
Autor: Lamucci, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2009, Brasil, p. A3

Os gastos da União com o funcionalismo e com outras despesas correntes cresceram a um ritmo bem superior ao dos investimentos no primeiro bimestre deste ano. Em janeiro e fevereiro, o governo federal gastou R$ 27,547 bilhões com pessoal e encargos sociais, 23% a mais do que nos dois primeiros meses de 2008, ao mesmo tempo em que elevou as despesas com investimento em 16%, para R$ 2,248 bilhões.

Já as outras despesas correntes (benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social, custeio da máquina e programas como o Bolsa Família) subiram 41% no período, para R$ 91,587 bilhões. Os números foram elaborados pelo Contas Abertas, organização especializada no acompanhamento das contas públicas, obtidos a partir de dados do Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).

O consultor Gil Castello Branco, do Contas Abertas, chama a atenção para o aumento expressivo das despesas correntes no primeiro bimestre, justamente num momento marcado pela queda das receitas do governo. Essa combinação, segundo ele, pode levar o governo a ter de promover cortes nos investimentos neste ano, contrariando o que tem dito o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para Castello Branco, o salto das despesas com pessoal se deve aos aumentos de salários e reestruturação de carreiras promovidos pelo governo nos últimos meses (ver acima). O economista Maurício Molan, do Santander, considera preocupante o governo elevar gastos permanentes como os de pessoal e aposentadorias num momento como o atual, em que a desaceleração da economia provoca queda na arrecadação. Para ele, que projeta crescimento de 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2009, as receitas federais devem cair cerca de 3% neste ano, descontada a inflação.

Molan diz que as despesas correntes podem estimular a atividade econômica no curto prazo, mas não elevam a capacidade de o país crescer sem pressões inflacionárias no futuro. "E elas também limitam a possibilidade de fazer uma política anticíclica por meio de mais investimentos", afirma, lembrando que a União investe muito pouco na comparação com as despesas correntes. No primeiro bimestre, por exemplo, os gastos com pessoal equivaleram a mais de 12 vezes o que foi investido pela União.

Castello Branco ressalta que a base de comparação de 2008 é mais baixa, porque o Orçamento do ano passado não havia sido aprovado até fevereiro. Isso impunha limitações à União, que só podia gastar o equivalente a uma décima-segunda parte (um duodécimo) do que estava previsto na lei orçamentária enviada ao Congresso. Essa restrição pode ajudar a explicar a magnitude do salto de 41% nas outras despesas correntes registrado no primeiro bimestre.

No caso do investimento, 99,99% dos gastos de R$ 1,936 bilhão registrados de janeiro e fevereiro de 2008 se referiram a "restos a pagar" - um dinheiro que sobrou de exercícios fiscais anteriores, relacionados em geral a obras em curso. Esse elevadíssimo percentual de "restos a pagar" decorreu da falta de aprovação da lei orçamentária. No primeiro bimestre de 2009, os investimentos com recursos do Orçamento deste ano subiram a 7,4% do total.

Para o consultor do Contas Abertas, o governo pode ter dificuldades de investir em 2009 os mesmos R$ 28,262 bilhões de 2008, por causa da combinação adversa de receitas em queda e gastos correntes em alta. Nesse cenário, até mesmo os investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) correm o risco de sofrer cortes, diz ele. Dos R$ 2,248 bilhões investidos em janeiro e fevereiro, 41% se referem a obras do PAC.

"Os investimentos costumam ser a variável de ajuste da política fiscal", diz Molan, lembrando que se trata de uma das poucas despesas que o governo pode manejar livremente. Para não afetar os investimentos, Castello Branco considera possível uma redução do superávit primário ou um maior represamento de alguns gastos correntes - opções em estudo pelo governo. A dúvida é saber se há de fato espaço para cortar essas despesas.