Título: Dez anos depois, Exército resiste à Pasta da Defesa
Autor: Costa , Raymundo
Fonte: Valor Econômico, 05/03/2009, Política, p. A9

No ano de seu décimo aniversário, a ser completado em 10 de junho, o Ministério da Defesa voltou a ter sua criação contestada, especialmente por setores do Exército mais ligados à linha dura do regime militar. O pano de fundo da disputa atual é a tentativa de imposição do poder civil sobre as Forças Armadas, o que não ocorreu nesses dez anos. Desde 1995, seis ministros ocuparam a Pasta da Defesa - ou seja, o cargo foi ocupado por quase dois ministros a cada ano. Tasso Marcelo/Agência Estado - 7/8/2008

General Cesário no aniversário da Intentona: "Alguns sobreviventes ... ousam reescrever a histórias sob a ótica da luta de classes"

Sem elaborar e executar efetivamente o orçamento dos comandos militares, a Defesa, cuja criação os militares sempre combateram, tinha uma posição frágil na Esplanada dos Ministérios. O poder efetivo permaneceu com os comandos militares. O lançamento do Plano Nacional de Defesa acendeu uma luz amarela nos quartéis. Mas é o fato de o Ministério da Defesa passar a coordenar as compras estratégicas, formular o orçamento e articular a criação de um Estado-Maior Conjunto das três forças que está na origem da atual crise.

O clímax da crise se deu na última reunião do Alto Comando do Exército, quando três generais prestes a se aposentar atacaram de frente o plano de defesa elaborado pelo ministro Mangabeira Unger, oficialmente denominado Estratégia Nacional de Defesa. Os militares se queixaram da "politização" do Ministério da Defesa e classificaram o plano como um documento sem respaldo nas forças e que não atacava questões fundamentais, como um orçamento adequado para custeio das instituições e investimento na modernização dos sistemas de armas.

As críticas causaram mal-estar no governo, sobretudo porque há um entendimento generalizado de que elas partiram e são alimentadas por setores que ainda não teriam se conformado com a consolidação democrática no país. O principal porta-voz do ataque ao plano, por exemplo, foi o general Luiz Cesário da Silveira Filho, que não costuma esconder suas posições políticas e não perde oportunidade para fustigar a esquerda que hoje está no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

"Meu soldado, passados 73 anos, não penses que permaneceram apenas nas páginas e lágrimas da história todos os que têm o pensamento moldado por aquela torpe ideologia", escreveu o general na ordem do dia referente ao aniversário da Intentona Comunista, em novembro do ano passado. "Alguns sobreviventes, remanescentes e cegos pelo mesmo pensamento, aproveitando-se das liberdades democráticas, pensam descaracterizar a democracia e ousam reescrever a histórias sob a ótica da luta de classes".

Quando o ministro Tarso Genro (Justiça) defendeu a punição de torturadores, Cesário da Silveira, então comandante militar do Leste, compareceu a um ato de desagravo realizado no Clube Militar ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou a repressão política em São Paulo. Com ele estava - no ato de desagravo a Ustra - outro general da ativa, o chefe do Departamento de Ensino e Pesquisa, Paulo César de Castro, que na reunião do Alto Comando também criticou o plano de defesa. Outro chefe de departamento, o general Maynard Marques de Santa Rosa, fez coro às críticas.

Na avaliação feita no governo é "ingenuidade" acreditar que a motivação desses setores é a eficácia do gasto público e a racionalização da defesa. Eles nunca teriam aceitado a existência do Ministério da Defesa e muito menos o controle civil das FA, que efetivamente pode ocorrer com o orçamento que está sendo formulado atualmente, a partir do qual cada força terá de negociar seus projetos com a Defesa.

O ministro Nelson Jobim (o sexto a ocupar o posto, desde 1995) já havia iniciado um projeto de discussão conjunta, o que não ocorria antes. Agora, segundo apurou o Valor, vai "exigir" a divisão da proposta orçamentária em duas partes. Uma, "para os gastos de subsistência", que terá os recursos assegurados automaticamente; outra, para os projetos que serão analisados e aprovados ou não pelo ministério, de acordo com as diretrizes estabelecidas no programa Estratégia Nacional de Defesa, ou END, como foi ironicamente batizado pelos generais contrários.