Título: Com juízes divididos, OMC anuncia decisão sobre o painel do algodão
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Agronegócios, p. B11

A Organização Mundial de Comércio (OMC) anunciará hoje a decisão final da disputa do algodão entre Brasil e Estados Unidos, em meio a divergências entre os juízes do caso - justamente uma americana e um brasileiro, além de um indiano. O Valor apurou que "alguns aspectos" da determinação ainda provocavam problema ontem, na véspera do anúncio, num racha sem precedentes na história do Órgão de Apelação da OMC, espécie de corte suprema do comércio internacional. As indicações eram de que havia tentativas para que a americana Merit E. Janow, que presidiu o caso, o brasileiro Luiz Olavo Baptista e o indiano A V Ganesan chegassem a um consenso. Assim, a OMC evitaria revelar no texto a divisão entre eles em "alguns aspectos da decisão", ainda mais diante do impacto que terá no comércio agrícola mundial. Para analistas, "tudo é possível" na deliberação de hoje. As especulações são de que o órgão de apelação não mude "substancialmente" as decisões do painel tomadas na primeira fase, confirmando em linhas gerais a vitória brasileira. Mas o temor é que seja alterada a fundamentação jurídica adotada pelo painel sobre as regras de subsídios aplicáveis ao comércio agrícola e como se determina "prejuízo sério" a exportadores concorrentes quando um país subsidia. Na prática, isso poderia dificultar a abertura de novas disputas agrícolas, para alívio de americanos e europeus. O órgão de apelação tem sete juízes fixos, indicados por quatro anos, independentes e sem vínculo com os governos. Normalmente, três são escolhidos por sorteio para examinar um recurso apresentado pelo país perdedor no painel (comitê de investigação). O sorteio é baseado numa fórmula matemática introduzida por um ex-juiz egípcio e por isso apelidada dentro da OMC de "sorteio da tumba dos faraós". Na briga do algodão, foram sorteados os juízes de origem brasileira e americana, além do indiano. Mas até mesmo essa formação é confidencial e a simples menção do nome dos juízes causa acessos de paranóia na OMC. No clima de confidencialidade que cerca o caso, não estão claros quais os aspectos da decisão que causaram divergências. Merit E. Janow trabalhou três anos no USTR, a agência de representação comercial dos EUA no começo dos anos 90 e hoje leciona na Universidade de Columbia (EUA). O juiz indiano é considerado um dos mais teimosos no órgão de apelação. O brasileiro Luiz Olavo Baptista tem reputação de independência e firmeza. O caso continuava sendo discutido ontem até o "último minuto". As decisões demoram porque para se alcançar consenso é necessário que cada um se afaste de suas posições, argumentavam alguns conhecedores do mecanismo. Ontem, o governo americano recusou uma proposta do Brasil, para que a decisão fosse entregue aos dois países hoje com algumas horas de antecedência, para dar tempo de ser melhor estudada antes da divulgação pela OMC. Há grande expectativa pelo que a decisão do painel pode representar para abertura de novas disputas. É que os países ricos perderam em fins de 2003 a "cláusula de paz", pela qual os subsídios agrícolas não podiam ser questionados. Agora, os protecionistas podem ser denunciados por outros países com base no Acordo de Subsídios e Medidas Compensatórias.