Título: Janelas abertas para a barganha
Autor: Rothenburg, Denise; Brito, Ricardo; Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 19/01/2010, Política, p. 2/3

Parlamentares usam prática identificada em CPI na década de 1990 para incluir obras no Orçamento a preços baixos e depois chantagear o governo na liberação de mais recursos

O texto que o governo se prepara para sancionar mostra que, aos poucos, o Congresso vai retomando as velhas práticas que terminaram resultando na CPI do Orçamento há quase 17 anos. Estão de volta, por exemplo, as velhas ¿janelas¿. No jargão parlamentar, janela significa uma obra cujos recursos previstos são insuficientes para garantir a sua execução. Os projetos são contemplados por pressão dos deputados apenas para constar, uma vez que dependem ainda da boa vontade do governo ou do prestígio do parlamentar para aumentar os valores.

Essa manobra só para fazer a obra constar na peça orçamentária tem um alto custo no decorrer do ano. O parlamentar usa o pretexto para cair em cima do Palácio do Planalto e usar a obra iniciada ¿ mas longe de ser completada ¿ como barganha política no Congresso. Se consegue o dinheiro, capitaliza-se na sua base eleitoral. Se não, ocorre um flagrante desperdício de dinheiro público.

Nas obras a cargo do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) não faltam exemplos de janelas. No quesito manutenção de rodovias, onde os valores de manutenção por quilômetro seguem uma rotina, os padrões de gastos desapareceram. O Correio identificou 16 obras em oito estado, com menos de R$ 100 mil .

O Orçamento de 2010 prevê R$ 42,5 mil para a manutenção de 136 km da rodovia BR-496, em Minas Gerais, e R$ 10,2 milhões para manutenção de 8km da BR-040, no Distrito Federal, terra do relator(1) Geraldo Magela (PT-DF). Para os técnicos, está claro que os recursos previstos como esses de Minas não passam de uma ¿janela¿ e que, para o DF, houve uma generosidade excessiva.

O relator da proposta, no entanto, garante que não teve poder de mexer no Orçamento. ¿Quem cuidou do Orçamento do Dnit foi o senador Efraim Morais¿, afirmou Magela, passando a batata quente para o DEM, antigo partido do governador José Roberto Arruda. Na elaboração, os técnicos do Orçamento disseram ter evitado colocar obras com menos recursos do que o necessário. A manobra ocorreu depois, num jeitinho político.

Magela, no entanto, considera ¿normal¿ as janelas, uma vez que, se houver sobras orçamentárias, a obra pode ser feita. O deputado Ricardo Barros (PP-PR), vice-líder do governo, considera também serem do jogo parlamentar as janelas. ¿É uma forma de articulação normal. Sendo uma emenda de bancada ou de comissão, subcontemplada com recursos¿, disse o deputado paranaense.

Só que, geralmente, as sobras seguem para pagamento de pessoal ou as obras do PAC, as prioritárias e de grandes valores. A BR-101 Sul, uma estrada duplicada e em fase de duplicação em vários trechos, tem R$ 127,5 milhões para ¿adequação¿ de 46km em Santa Catarina e outros R$ 170 milhões para a mesma finalidade em 43km no Rio Grande do Sul. Para não desagradar aos congressistas, é bem possível que o governo não promova muitos cortes nas ¿janelas¿, mas também não fará esforço para ampliá-las, uma vez que a prioridade são mesmo as obras do PAC. Mas os cortes virão.

Ganhos O Dnit teve um ganho de 30% no Orçamento desse ano eleitoral. Passou de R$ 8,6 bilhões em 2009 para R$ 11,2 bilhões. O órgão informou que a definição dos valores das obras depende de vários fatores, como ¿facilidade de obter pedras, da distância para o transporte de cimento, da localização do material betuminoso, de qual tipo de manutenção a estrada vai requerer (como está a conservação da estrada, antes da obra)¿, além de da existência de pontes ou viadutos rodoviários.

1 - Poderes demais A proposta foi aprovada no final do ano passado em meio a polêmica com o relator Geraldo Magela (PT-DF), acusado de ter extrapolado os poderes. Ele destinou verbas a todas as cidades-sede da Copa de 2014 por emendas próprias. Só que desde o escândalo dos Anões do Orçamento, em 1993, o relator está impedido dessa prática. As verbas tiveram de ser canceladas para que proposta fosse votada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem que sancionar o Orçamento 2010 até o final deste mês. Os técnicos do Ministério do Planejamento finalizam as sugestões de vetos ao presidente.

É uma forma de articulação normal. Sendo uma emenda de bancada ou de comissão, subcontemplada com recursos¿ Ricardo Barros (PP-PR), deputado federal

O número R$ 11,2 bilhões É o valor do orçamento do Dnit para este ano

Leia a íntegra do subrelatório de infraestrutura

¿Eficiência¿ orçamentária

No país em que pavimentar rodovias é sinônimo de oportunidade para a corrupção e o desvio de dinheiro público, fazer 930km de estradas ao custo de R$ 1,088 milhão seria um choque de eficiência digno de comemoração. O preço do quilômetro construído alcançaria R$ 1.169. Esse é o valor previsto para 16 obras aprovadas no Orçamento de 2010 que vão receber menos de R$ 100 mil, por meio das ¿janelas¿ (leia lista ao lado). A campeã de eficiência é a manutenção por R$ 51 mil de 178km da BR-418, principal ligação entre o leste de Minas Gerais e o litoral baiano. Uma média de R$ 286,51 por quilômetro construído.

Minas Gerais, aliás, é o estado com o maior número de obras do Departamento de Infraestrutura Terrestre (Dnit) com recursos irrisórios: quatro. Estão previstas, além da ligação com a Bahia, melhorias em trechos das BRs 485, 154 e 496. O Ceará vem em seguida, mas detém outro título: abriga a rodovia federal com menos recursos a receber dos R$ 11,2 bilhões em orçamento do Dnit. É o trecho de 45km da BR-437, por apenas R$ 17 mil.

Para se ter uma ideia, o custo médio para construir uma rodovia federal em estados do Nordeste gira entre R$ 80 mil a R$ 110 mil. Mas pode chegar a R$ 500 mil ¿ cerca de 500 vezes o aprovado pelo Orçamento para as obras incluídas por meio das ¿janelas¿. (RB, DR e TP)