Título: Governo reforça 'SOS sucroalcooleiro'
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 06/03/2009, Agronegócios, p. B10
O governo reforçou a "operação de salvamento" do setor sucroalcooleiro ao anunciar na quinta-feira a concessão de R$ 2,5 bilhões para financiar a estocagem de até 5 bilhões de litros de etanol pelas usinas. A medida foi decidida na quarta-feira durante reunião de ministros e dirigentes de bancos públicos com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Indiretamente, a ajuda ao setor tem chegado via BNDES e também pela Petrobras.
O socorro ao setor está sendo conduzido diretamente pela ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, apurou o Valor. Nesta semana, a Petrobras anunciou que passará a investir em usinas consolidadas, e não apenas em projetos de construção de novas indústrias ("greenfield"). O BNDES avalia a renegociação de R$ 3,45 bilhões em dívidas das usinas.
O Palácio do Planalto quer evitar uma onda de compra de empresas do setor por multinacionais e busca fortalecer os principais grupos brasileiros produtores de açúcar e etanol. Incentivos a fusões e aquisições, mesmo sob risco de concentração do setor, podem ser uma solução oficial.
O cenário está cada vez mais complicado para as usinas. A falta de crédito derivada da crise financeira global somou-se aos preços baixos do álcool em plena entressafra. Em fevereiro, as cotações do álcool hidratado recuaram cerca de 12%. Sem capital de giro nem condições de oferecer garantias adicionais em empréstimos, as empresas buscavam recursos oficiais para bancar os altos custos de carregamento de seus estoques.
O financiamento do tipo "warrantagem", em que os estoques são a garantia dos empréstimos, não era oferecido desde a safra 2004/05. "O governo está bem envolvido na solução dos problemas do setor. Nosso pedido era de R$ 3,5 bilhões, mas ficou de bom tamanho", resume o coordenador nacional do Fórum de Lideranças do Setor Sucroalcooleiro, Anísio Tormena. A Unica (União da Indústria da Cana-de-Açúcar) considerou a medida muito positiva, uma vez que pode dar equilíbrio ao mercado.
O governo admite o socorro ao setor. "Se não fizéssemos isso, teríamos uma superoferta e queda de preços", disse o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes. A linha de seis meses será operada pelo BNDES com prazo de seis meses a partir de maio. Os juros devem ficar em torno de 10% ao ano. O dinheiro virá do BNDES porque os recursos da Cide (Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) encurtaram para R$ 3 bilhões após redução desse imposto sobre os combustíveis, de R$ 0,28 para R$ 0,18 por litro.
As usinas insistem em renegociar as dívidas com BNDES, Banco do Brasil, tradings e fundos de investimento. "Não vai ter outra solução", afirma Tormena, que também preside a Associação de Produtores de Álcool e Açúcar do Paraná (Alcopar). O setor pressiona o governo para evitar uma redução nos preços da gasolina, o que rebaixaria o teto para o etanol. E reivindica mais capital de giro, financiamento para tradings com Adiantamento sobre Contratos de Câmbio (ACCs) e empréstimos aos produtores para plantio da matéria-prima. O mercado está inundado de etanol porque as usinas têm vendido estoques para ter caixa, o que deprime ainda mais as cotações. As vendas de carros "flex" tiveram tímida recuperação e a oferta de etanol, mesmo na entressafra, se manteve.
Hoje, o setor terá reunião com o BNDES para tratar do Programa Especial de Crédito, que poderia auxiliar na recomposição do capital de giro. Há R$ 6 bilhões nessa linha com juros mais baixos e prazo mais longos, além de autorização para operar com penhor de safra.
Alavancadas, a crise das usinas sucroalcooleiras é anterior à turbulência financeira global. Muitas se endividaram ao anunciar megaprojetos de novas usinas. Foram mais de 200 projetos anunciados entre 2005 e 2008, mas menos da metade saiu do papel.
Na quarta-feira, a Petrobras anunciou um plano de investimento ambicioso para o mercado de etanol, que prevê aportes de US$ 2,4 bilhões na produção de biodiesel e etanol para o período de 2009-2013. Deste total, 80% serão destinados ao etanol.
A grande novidade neste plano da estatal é que a companhia admite obter participação de 20% a 40% em usinas já em operação. Nos anúncios anteriores, a estatal admitia participação de 20% e em projetos "greenfield".
A estatal deverá se associar a empresas do setor como "avalista" em grupos com dificuldades financeiras pontuais, afirmam fontes ouvidas pelo Valor. Para um empresário do setor, essas parcerias podem até não sair do papel. "A Petrobras tentou fazer isso outras vezes, mas não deu em nada."
Vale lembrar que no ano passado a estatal anunciou sociedade minoritária em uma usina em Itarumã, em Goiás, em parceria com produtores locais, mas o projeto ainda não foi levado adiante. Procuradas, a Petrobras e o BNDES não se manifestaram sobre o assunto.