Título: Microcrédito ignora crise e cresce
Autor: Mandl , Carolina
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2009, Finanças, p. C1

Ângela Maria Santos, de 51 anos, pretende iniciar nas próximas semanas a reforma de sua quitanda em Guabiraba, bairro da periferia do Recife. Sem os R$ 2 mil necessário para a obra na conta corrente, vai precisar recorrer a um empréstimo. Mas, ao contrário de tantas empresas e consumidores, Ângela não está preocupada com a falta de crédito provocada pela crise econômica mundial. Isso porque a quitandeira vai tomar uma modalidade de empréstimo que, a despeito de qualquer turbulência financeira, está em franca expansão: o microcrédito.

As principais instituições que trabalham com microcrédito no país planejam a expansão da concessão de empréstimos neste ano para pequenos empreendedores como Ângela.

O Banco do Nordeste, maior agente do mercado hoje, pretende desembolsar R$ 1,4 bilhão para os clientes do programa Crediamigo. É um volume 40% maior em relação às concessões feitas em 2008. "Por enquanto, não há alterações nem na demanda nem no nível de inadimplência, por isso as perspectivas são positivas", afirma Stélio Gama Lyra Júnior, superintendente de microfinanças da instituição. Hoje restrito à região Nordeste e ao Rio de Janeiro, o Crediamigo avançará para o Centro-Oeste neste ano para crescer.

O banco Santander, com o Real Microcrédito, prevê ampliar a carteira de clientes ativos em 20%, para R$ 120 milhões. "Não há crise no microcrédito. As classes C e D estão se estruturando agora no Brasil. Há muito espaço para expansão", avalia Jerônimo Ramos, diretor do Real Microcrédito. A instituição projeta crescimento nos desembolsos de 20% ao ano até 2014. Como parte dessa estratégia, no segundo semestre deste ano, o programa será oferecido também em Minas Gerais, além da manutenção de Rio, São Paulo e Estados do Nordeste.

Um dos motivos que fazem os bancos permanecerem interessados no microcrédito mesmo em um período de crise é a baixa taxa de inadimplência, que costuma ficar entre 1% e 3% da carteira. Quem concede o empréstimo checa pessoalmente as condições da casa ou do empreendimento dos tomadores, além de ajudar com dicas de como tocar um negócio, reduzindo as chances de não pagamento.

O dinheiro, em geral, também é desembolsado para grupos que precisam arcar um com o débito do outro, forçando a cobrança entre eles. "Eu não deixo qualquer um entrar no meu grupo, não. Do contrário, se a pessoa não pagar, eu posso perder tudo que já consegui", diz Ângela, que há um ano e meio compra produtos para a quitanda com os recursos do microcrédito.

Mariluci Pereira de Andrade, sacoleira de roupas e vizinha da dona da quitanda, não tem a menor dúvida de que a amiga pega no pé no dia do pagamento: "Ela me cobra mesmo."

Outra explicação para os planos de crescimento dos bancos no microcrédito em tempos de turbulência econômica está no fato de a operação ainda ser relativamente pequena no Brasil.

Para ampliar a atuação, porém, muitas instituições estão tendo de lidar com alguns percalços. É o caso da mexicana Finsol, que atua no Nordeste brasileiro. "Diversos fundos que apóiam microfinanças recuaram. Não está ocorrendo a renovação dos contratos", explica Marcello Pinto, diretor-presidente da Finsol. Mesmo assim, a empresa prevê ampliar sua carteira no país neste ano em 8% , para R$ 68 milhões. "Acredito que ao longo do ano os fundos voltarão a ceder recursos."

Apesar de preverem a ampliação dos negócios com microcrédito, os bancos estão tomando medidas para evitar que ocorra aumento da inadimplência. O Banco do Nordeste vai reforçar os cursos sobre empreendedorismo, por exemplo. O Santander está mais atento às características dos clientes na hora da concessão dos empréstimos.

"Já percebemos também que eles mesmos estão mais cuidados. Só pegam as quantias necessárias", afirma Ramos. A Finsol observou um aumento de 10% na inadimplência desde outubro, mas já viu um recuo entre janeiro e fevereiro. "O microempreendedor vive em uma eterna crise, com muitas dificuldades. Por isso ele acaba encontrando meios de sobreviver", diz Pinto.