Título: FMI discute uso de suas reservas de ouro
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, Finanças, p. C8

O uso de reservas de ouro do FMI para cancelar a dívida de países pobres será um dos temas da reunião de Primavera do organismo, que começa no mês que vem. A última reunião do grupo dos sete países mais ricos (G-7) em Londres discutiu a possibilidade de venda ou reavaliação contábil dos estoques do metal precioso. O FMI é o terceiro maior detentor de ouro do planeta, com 103 milhões de onças (10% do estoque mundial), atrás apenas dos Tesouros dos Estados Unidos e da Alemanha. A reserva está avaliada ao valor de custo, e uma grande parte a menos de US$ 40 a onça, enquanto o valor de mercado é de cerca de US$ 432. Estima-se que a carteira hoje avaliada em US$ 9 bilhões valha no mercado US$ 44 bilhões. O Brasil participou da última operação de reavaliação do ouro do FMI, feita no início de 2000. Em uma série de operações, algumas delas puramente contábeis, o Brasil comprou os US$ 2 bilhões que devia ao Fundo em ouro, pela cotação de mercado. Imediatamente depois, usou o ouro para pagar uma parcela devida ao FMI. O México participou de uma operação semelhante, e entre dezembro de 1999 e abril de 2000 a venda de US$ 3,7 bilhões em ouro ao dois países gerou um lucro de US$ 2,9 bilhões ao FMI. Os recursos também foram reservados, como é o objetivo da proposta atual, a reduzir o endividamento de países pobres - principalmente nações africanas com alto endividamento. Na época, a diretoria do FMI informou que a operação era excepcional e não deveria ser repetida. A proposta atual visa cancelar cerca de US$ 6 bilhões em dívidas de países da África. Como o maior devedor atual do FMI (33,5% do total de créditos), é possível que o Brasil volte a fazer parte dessas operações, se houver acordo entre os acionistas. Segundo fontes da instituição, o assunto ainda nem foi discutido formalmente dentro do Fundo, porque a decisão ainda não foi tomada pelo G-7. O Brasil pagará ao FMI este ano US$ 7 bilhões, e outros US$ 7 bilhões em 2006. Se houver acordo entre os acionistas do FMI, existe a possibilidade de repetir a operação usando pagamentos esperados pelo organismo internacional. Mas esta não seria a única alternativa. Há especulações no mercado de que o Reino Unido, autor da proposta de venda do ouro do FMI, estaria interessado na possibilidade de venda do ouro à China ou ao Japão, que hoje têm grandes reservas no Fundo, mas pequena parcela em ouro. Qualquer transação com as reservas de ouro do FMI exige a aprovação de pelo menos 85% dos acionistas - ou seja, a aprovação dos Estados Unidos, que detém 17% do poder de voto, é imprescindível. Embora o ministro britânico Gordon Brown tenha afirmado que houve acordo durante a reunião do G-7, a linguagem do comunicado não se compromete com a venda de reservas. "Nas últimas operações de reavaliação de ouro, os EUA também eram inicialmente contra, mas acabaram concordando com vendas que não afetassem os mercados", conta uma fonte do FMI envolvida na última reavaliação de reservas. Senadores americanos protestaram contra a proposta de venda feita pela última reunião do G-7 em carta ao secretário do Tesouro, John Snow. Até 1978, quando foram extintos o padrão-ouro e o sistema de taxas de câmbio fixas, várias transações com o FMI eram feitas em ouro. Pouco depois da quebra do padrão-ouro, o Fundo leiloou cerca de um terço de suas reservas - uma parte foi transferida aos países-membros da instituição. Quando o FMI foi criado, 25% das cotas eram pagas obrigatoriamente em ouro.