Título: Não basta investir, tem de participar
Autor: Daniele Camba e Luciana Monteiro
Fonte: Valor Econômico, 03/03/2005, EU &, p. D1

Quarta-feira, 8h30 da manhã. Num dos mais novos prédios comerciais de Pinheiros, região Oeste de São Paulo, aproximadamente 30 pessoas se reúnem na sede da Orbe Investimentos com o mesmo objetivo: entender um pouco mais de suas aplicações. Uma cena incomum para quem acompanha as normalmente desérticas assembléias ou reuniões de investidores de fundos de investimento. Mas a baixa participação nesse tipo de evento parece estar com os dias contados. Depois que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) determinou na Instrução 409 - a nova regra dos fundos - que as gestoras de recursos avisem os cotistas das assembléias por carta, e não mais via anúncio em jornais de grande circulação, o número de investidores presentes em assembléias cresceu significativamente. As reuniões que ocorreram nos últimos meses foram as primeiras depois que a exigência entrou em vigor. Para os gestores, a convocação via carta é um divisor de águas no processo, que até então era muito mais pró-forma do que realmente um fórum de discussão, onde os cotistas têm poder para decidir o destino de seus investimentos. Na Caixa Econômica Federal (CEF), por exemplo, a presença nas últimas assembléias foi dez vezes maior que nas anteriores, que costumavam contar com no máximo 20 cotistas. As mais movimentadas sempre foram as reuniões dos fundos de ações e dos fundos de privatização da Petrobras e Vale do Rio Doce. "Nestas últimas, chegamos a ter mais de 200 cotistas em uma única assembléia", diz o vice-presidente de ativos de terceiros da CEF, Wilson Risolia. O número ainda é pequeno frente aos 750 mil cotistas dos 80 fundos do banco, mas demonstra o início de um processo onde as pessoas devem se interessar mais por saber como estão seus investimentos, acredita.

Alguns casos são surpreendentes. Um cliente da CEF de Rondônia foi até Brasília e uma senhora de mais de 70 anos saiu de São Paulo e viajou 12 horas de ônibus para participar da reunião. "Nunca se viu uma presença tão grande na história do setor de fundos brasileiro", diz Risolia. Os especialistas estão convictos de que o grande estímulo para essa presença foi a convocação das assembléias via carta. Quando o Banco Central fiscalizava os fundos de renda fixa, a exigência era apenas de publicação de avisos em jornais. O diretor-executivo da BB DTVM, Nélio Henriques Lima, afirma que uma parcela pequena de investidores presta atenção nesses anúncios e, no caso dos fundos de varejo, alguns aplicadores nem lêem jornal. A BB DTVM, por exemplo, tem fundos com aplicação mínima de R$ 200. Nos fundos de ações, que sempre estiveram sob a batuta da CVM, as convocações já eram feitas por meio de cartas e os cotistas também recebiam uma correspondência com a ata da reunião e os resultados do encontro. Por essa comunicação mais direta, as assembléias desses fundos são tradicionalmente mais movimentadas que as de renda fixa. Além disso, o investidor de renda variável geralmente é mais esclarecido e se interessa mais em saber como estão suas aplicações. O gerente de produtos do Citibank, Marcelo Guterman, acredita que a convocação por carta tornará as assembléias realmente em um fórum de decisão. "A CVM quer criar a cultura do investidor participativo e consciente", diz Guterman. Para Guterman, saber que existe assembléia já é um passo gigantesco. O próximo será o investidor se interessar em ir à reunião, assim como ocorre entre os acionistas de companhias abertas. "Esse processo é mais difícil porque geralmente o investidor de fundos sabe muito menos de mercado financeiro que o acionista." Para o diretor de produtos da HSBC Asset Management, Jorge Misumi, no Brasil não há cultura de participar de assembléia porque o investimento em fundo ainda é recente e concentrado em renda fixa, cuja gestão é simples. "Não há muito o que se discutir em um fundo DI, por exemplo", diz Misumi. Já nos Estados Unidos, existe uma gama enorme de fundos, com políticas de investimentos diferenciadas. Misumi lembra que as assembléias dos fundos de ações do megainvestidor Warren Buffet são realizadas em estádios de futebol. A BB DTVM também registrou um aumento importante de investidores nas assembléias. As reuniões, que antes tinham entre dois ou três cotistas, chegaram a ter 200, vindos principalmente das grandes capitais - São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e do próprio Rio, sede da gestora e lugar das reuniões. "Alguns cotistas de outros Estados pediram passagem para ir na assembléia", lembra Nélio Henriques Lima A presença maior pegou a própria asset de surpresa. Algumas assembléias de fundos da BB DTVM precisaram ser divididas em três salas diferentes. Segundo Lima, o investidor de varejo não comparecia simplesmente porque não sabia da existência do evento. Já o cliente de atacado também não ia porque tinha contato mais próximo com os gestores. Lima conta que os investidores que compareceram tiveram as reações mais variadas possíveis. Alguns acharam que a reunião era para a apresentação de um novo produto do banco. Outros, que achavam serem aplicadores em poupança se surpreenderam ao descobrir que tinham recursos em um fundo. Sem contar com os que, ao receberem a carta com a convocação, acharam que estavam obrigados a comparecer à assembléia. Segundo o gerente de acompanhamento de investidores institucionais da CVM, Luiz Felipe Lobianco, a autarquia recebeu reclamações de alguns investidores surpresos por estarem sendo convocados via carta. Houve ainda críticas ao fato de as assembléias ocorrerem em outros Estados. "Essa reação mostra a falta de conhecimento do investidor", diz Lobianco. Para ele, mais importante do que participar da assembléia é o cotista saber que é ele quem decide o destino do fundo, e não o gestor. "Esse era o objetivo da CVM e foi alcançado." Além da convocação via carta, a Instrução 409 deixa mais claro que não podem votar gestores, administradores ou pessoas ligadas a eles. O cotista precisa receber também a ata com as decisões da assembléia e as mudanças só passam a valer após 30 dias da comunicação. "Esse ponto é muito importante pois dá tempo ao cotista que discordar sair do fundo", completa Lobianco. A presença maior de cotistas não aconteceu apenas nos bancos de varejo. No HSBC, por exemplo, as assembléias, que antes contavam com no máximo cinco pessoas, chegaram a ter até 20. Mas a maioria ainda pouco familiarizada com o evento. Segundo Misumi, com quórum maior, o HSBC pensa em mudar o formato das assembléias de fundos mais sofisticados, como os de ações e derivativos, transformando-as em um evento com uma palestra sobre macroeconomia. "Queremos torná-las mais interessantes." Na assembléia do maior fundo do Citi, com 70 mil cotistas, foram dez. "É pouco mas não esperávamos nem isso", diz Marcelo Guterman. Os gestores ponderam que as últimas assembléias tiveram uma presença muito maior porque também estavam em discussão dois temas relevantes: a adaptação dos fundos à Instrução 409; e o novo regime de tributação, com alíquotas diferentes de IR. Para o vice-presidente da Associação Brasileira dos Bancos de Investimento (Anbid), Marcelo Giufrida, as próximas reuniões vão mostrar se os cotistas apareceram apenas por causa dessas mudanças. "A minha impressão é que a pauta mais cheia trouxe alguns cotistas, mas outros também vieram por causa da nova forma de comunicação." Para o presidente da CVM, Marcelo Trindade, a melhor comunicação entre gestor e cotista é um dos pontos que deram certo da Instrução 409. Ele lembra que no decorrer deste ano, alguns tópicos da regra serão revistos, entre eles, os limites de concentração de ativos de um mesmo emissor. Marco Tulio Rodrigues, de 49 anos, era um dos investidores da Orbe que estavam ontem na reunião da gestora. Ele, junto com dois amigos, se reúnem semanalmente para trocar informações sobre investimentos. Rodrigues admite que conversar com o gestor e entender a política de um fundo é bem mais fácil nas boutiques que em grandes bancos. "Mas percebo que o investidor brasileiro está ficando mais maduro", diz.