Título: 'Fuga de cérebros' nos EUA pode afetar recuperação
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Fonte: Valor Econômico, 10/03/2009, Especial, p. B

À medida que se intensifica o debate em torno da atuação dos imigrantes altamente qualificados nos EUA, perde-se de vista um fato importante: os EUA não são mais a única terra de oportunidades para esses trabalhadores estrangeiros. Existe um outro destino, cada vez mais promissor: o próprio país. Novas pesquisas mostram que muitos imigrantes retornaram aos seus países de origem mais ou menos - especialmente Índia e China - para desfrutar o que consideram ser uma melhor qualidade de vida, melhores perspectivas de carreira e o conforto da proximidade com a família e com os amigos.

A tendência se acelerou nos anos recentes, em parte porque esses trabalhadores também perderam a paciência com a lista de espera de vistos nos EUA. No fim de 2006, mais de 1 milhão de profissionais estavam à espera da cota anual de 120 mil vistos de residência permanente. A espera para alguns já passa de dez anos.

Além disso, num momento em que Washington procura criar postos de trabalho para americanos, surge outro obstáculo: cláusulas no recém-aprovado projeto de lei de estímulo que endurece as condições para empresas que recebem socorro governamental contratarem trabalhadores detentores de vistos temporários H-1B.

Por que isso seria importante? Porque os imigrantes são essenciais para a saúde econômica de longo prazo dos EUA. Apesar de serem só 12% da população americana, eles começaram 52% das empresas de tecnologia do Vale do Silício e contribuíram para mais de 25% das patentes mundiais dos EUA. Eles constituem 24% dos trabalhadores em ciências e tecnologia com diplomas de graduação e 47% dos com doutorado.

Agora, dizem diretores de recursos humanos na Índia e China, o que era um pequeno fluxo de trabalhadores que retornavam, há uma década se transformou num dilúvio (não existem estatísticas oficiais sobre a imigração inversa). As solicitações de emprego de imigrantes nos EUA, eles dizem, aumentaram dez vezes nos anos recentes. As dificuldades com vistos são responsáveis por parte disso. Mas existem outros motivos.

Um levantamento conduzido no ano passado na Universidade Duke, junto com AnnaLee Saxenian da Universidade da Califórnia e Richard B. Freeman da Universidade Harvard, entrevistou 1.203 imigrantes indianos e chineses que usaram o serviço da rede de relacionamento profissional LinkedIn e que deixaram os EUA rumo a seus países natais.

A vasta maioria dos que retornaram, segundo apuramos, era composta de pessoas relativamente jovens - média de 30 anos para indianos, e 33 anos, para chineses. Seus diplomas estão nas áreas de administração, tecnologia e ciências. Entre os chineses, 51% têm pós-graduação e 41, doutorado. Entre os indianos, 66% detêm diplomas de pós-graduação e 21%, de doutorado. Esses números situam os que retornam na primeira linha da população dos EUA - exatamente o tipo de gente que pode dar a maior contribuição à inovação e ao crescimento. E não são só os novos imigrantes os que estão voltando para casa. Cerca de 30% dos entrevistados estavam na condição de residentes permanentes ou eram cidadãos dos EUA.

O que impulsionou as suas migrações inversas? Cerca de 84% dos chineses e 69% dos indianos mencionaram oportunidades profissionais. Apesar de ganharem menos dinheiro em termos absolutos no seu país natal, porém, a maioria disse que seus salários proporcionavam uma "melhor qualidade de vida" face à que tiveram nos EUA (houve também algum elemento de choque cultural inverso - queixas sobre congestionamento na Índia, por exemplo, e poluição, na China). Quando o assunto chegou aos fatores sociais, 67% dos chineses e 80% dos indianos mencionaram melhores "valores familiares" em casa. Para a vasta maioria, as saudades da família e dos amigos também representaram um elemento determinante. Quando foram perguntados se "as questões de visto" representaram um fator na decisão de voltar para casa, um terço dos indianos e um quinto dos chineses disse que sim.

A maioria parece estar prosperando. Com o crescimento na demanda por suas qualificações nos seus países de origem, eles estão encontrando sucesso profissional. Aproximadamente 10% dos indianos sondados haviam detido empregos de alto escalão nos EUA. Esse número aumentou para 44% após voltarem para casa. Entre os chineses, o número aumentou de 9% nos EUA para 36% na China.

Imigrantes que chegavam aos EUA sempre se sentiram solitários e com saudades do lar. Eles sempre fizeram sacrifícios para que seus filhos pudessem ter uma oportunidade de fazer sucesso. Agora eles têm outra opção na sua busca por uma nova vida: voltar para casa. Talvez esses trabalhadores não sejam necessários nos EUA durante essa recessão. Mas a ajuda deles para será necessária para a recuperação do país. O que poderá trazê-los de volta? Um esforço de recrutamento desta magnitude quase certamente exigirá mudanças substanciais na política de imigração. Essa perspectiva parece ser extremamente improvável, se levarmos em conta o clima político atual, onde o enfoque parece estar em fazer o que for preciso para manter os empregos atuais dos americanos - mesmo se isso vier à custa da promessa de longo prazo da América.