Título: Governo começa a mudar este ano o transporte rodoviário interestadual
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2009, Brasil, p. A2

Estagnados com a popularização do transporte aéreo, mas ainda responsáveis por 44 milhões de passageiros por ano, os serviços de ônibus interestaduais começarão a passar por uma transformação neste ano. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) pretende licitar em julho 1.475 ligações rodoviárias, divididas em 125 lotes. Rotas privilegiadas, como aquelas entre grandes capitais, serão licitadas em pacotes que incluirão ligações entre municípios menores, para manter subsídio cruzado. Ganhará quem oferecer a menor tarifa para os passageiros. As empresas vencedoras poderão explorar o serviço, em regime de permissão, por 15 anos - sem direito à renovação dos contratos.

A superintendente de serviços terrestres da ANTT, Sônia Haddad, garantiu que as mudanças vão trazer mais conforto e preços melhores aos passageiros. Nos editais, que serão submetidos a audiências públicas de 20 de abril a 15 de maio, haverá exigências novas para as empresas e um controle rigoroso de desempenho. A idade máxima da frota será de dez anos. Indicadores de regularidade e pontualidade - hoje inexistentes - farão parte dos contratos. A agência poderá aplicar penalidades em caso de descumprimento.

Sônia afirmou que cada ligação terá uma tarifa-teto na licitação, sempre igual ou inferior aos preços atuais. A disputa pelos lotes poderá empurrar o valor pago pelos passageiros para baixo. Hoje cada passageiro paga, em média, uma tarifa de R$ 0,11 por quilômetro. A concorrência também deverá aumentar. Um levantamento da agência indica que 89% das linhas interestaduais têm apenas uma empresa de ônibus prestando o serviço. Essa proporção cairá para 67%. Ou seja, dois terços das linhas terão pelo menos duas concorrentes. Na ligação Rio-São Paulo, a mais movimentada do país, o número de operadoras deverá aumentar de quatro para seis. Serão criadas novas ligações diretas, como Brasília-Sorocaba.

A ANTT diz que a licitação é necessária porque os prazos das atuais permissões se encerraram em outubro de 2008. Segundo a agência, a Constituição de 1988 determina que novos contratos de permissão para prestar serviços públicos de transporte rodoviário interestadual devem ser precedidos de licitação. Desde o ano passado, as empresas operam com uma licença especial.

Uma preocupação, no entanto, é com a retirada de empresas desse mercado. Hoje existem 253 operadoras de serviços interestaduais. Mas, na visão da ANTT, boa parte não tem esse tipo de operação como negócio principal. Tanto que 35% atuam em apenas uma ligação entre dois Estados, dedicando-se sobretudo a atividades urbanas ou semi-urbanas.

Como haverá 125 lotes em disputa, metade das empresas poderá sair do mercado. Para minimizar esse efeito, a ANTT permitirá a formação de consórcios. Ou seja, as empresas poderão se juntar para dividir entre si as linhas de um mesmo lote. Sônia defendeu o processo, mesmo se obrigar à retirada de agentes. "O que queremos é selecionar as melhores empresas", disse a superintendente. "Teremos uma racionalidade maior da rede que trará ganhos de escala e poderá levar à redução da tarifa. Hoje, 35% das empresas operam apenas uma linha. Isso não é bom, nem para a empresa, nem para o usuário."

A Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) manifestou preocupação com as regras dos editais. Depois de ter expressado oposição à licitação no ano passado, a entidade disse que não é contra o processo, mas não vê razão para decisões apressadas. "Não há motivo para atropelos", afirmou o presidente da associação, Renan Chieppe, que pede mais estudos antes do leilão.

O setor teve faturamento próximo de R$ 3 bilhões em 2008, emprega 70 mil funcionários diretos e possui frota de 12 mil ônibus. Para a Abrati, há dificuldades na formação de consórcios e muitas empresas poderão se retirar do mercado, com potencial perda de empregos. Chieppe disse estar preocupado com as taxas de rentabilidade sinalizadas pela agência. Segundo a entidade, a ANTT estruturou a licitação para oferecer retorno de 6,9% ao ano na operação, inferior ao rendimento da poupança em 2008.

Chieppe teme a falta de concorrência em muitos lotes e o desinteresse de operadores maiores por manter seus serviços com essas taxas de retorno. "O modelo (atual) pode não ser perfeito, mas ele funciona", disse. "As empresas têm experiência. Trocar isso por um modelo que está sendo preparado por técnicos, dentro de seus gabinetes, nos preocupa."

A ANTT está formulando "planos de transição" entre os dois modelos, com provável duração de 18 meses, para evitar um "apagão rodoviário". "Podemos ter transtornos, como sempre há em uma mudança", admitiu a superintendente, citando o que houve com a introdução dos caixas eletrônicos nos bancos e das catracas nos ônibus urbanos. "Mas não prevemos nenhum caos."