Título: Uruguai leva a Lula queixa contra a Argentina
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2009, Brasil, p. A6

Prioridade na agenda do Uruguai com o Brasil, a interligação energética entre os dois países já tem até projeto e orçamento aprovados, mas enfrenta o bloqueio de um vizinho caprichoso, a Argentina. Em visita ontem ao Brasil, o presidente do Uruguai, Tabaré Vásquez, pediu em conversa reservada com presidente Luiz Inácio Lula da Silva o apoio em mais um atrito com a Argentina: o país vem bloqueando a liberação de recursos do Mercosul que o Uruguai quer usar para a construção da linha de transmissão com o Brasil. Ruy Baron/Valor Presidentes Lula e Vásquez: promessa de que a Petrobras vai aumentar investimentos no Uruguai e que as decisões sobre o fundo do Mercosul serão técnicas

O novo bloqueio, na avaliação dos próprios uruguaios, ameaça a credibilidade de um instrumento financeiro recente, saudado pelos governos como um dos raros avanços institucionais recentes do Mercosul. O dinheiro que o Uruguai espera e os argentinos se recusam a liberar é uma verba, de US$ 85 milhões, do Focem, o Fundo para Convergência Estrutural e Fortalecimento Institucional do Mercosul. O Brasil contribui com 70% do financiamento desse fundo, cujos recursos, destinados principalmente a Uruguai e Paraguai, são doações a fundo perdido.

Lula, que anunciou a intenção de dobrar a contribuição do Brasil ao Focem, para US$ 140 milhões, prometeu a Vásquez que tratará do tema com a presidente da argentina, Cristina Kirchner, com quem se encontrará, em São Paulo, na próxima semana. Os uruguaios insistiram em incluir, no comunicado conjunto dos dois presidentes uma referência ao Focem, enfatizando que as decisões sobre o uso do fundo devem se pautar por critérios exclusivamente técnicos, num recado à Argentina.

Lula e Vásquez discutiram também o interesse uruguaio em participar do sistema de comércio em moeda local, já existente entre Brasil e Argentina, e beneficiar-se do anunciado projeto do governo de oferecer "swap" de moedas aos parceiros no continente (troca direta de reais por moedas locais dos vizinhos, para pagamento nas transações financeiras bilaterais sem recursos a dólar). "Estou seguro de que, com o Uruguai e países como Venezuela e Chile, que estão interessados, tenhamos possibilidade de abreviar os passos para iniciar esse sistema", disse o assessor internacional da Presidência, Marco Aurélio Garcia.

"Há muito tempo não tínhamos uma reunião bilateral numa astral tão alto", disse Garcia, avaliando o clima da conversa. No encontro com Vásquez, Lula deu apoio à demanda do uruguaio por mais investimentos da Petrobras no país vizinho. "A Petrobras está muito disposta a investir, estão otimistas com a descoberta de gás e também de petróleo, parece que descobriram um pré-sal uruguaio."

O investimento na interligação elétrica é calculado em US$ 256 milhões, quantia significativa para um país com Produto Interno Bruto (PIB) inferior a US$ 40 bilhões. Diferentemente do Paraguai, que dividiu os recursos do Focem em vários projetos, os uruguaios decidiram concentrar todos os recursos em um só investimento, importante para assegurar regularidade de fornecimento de energia ao país - hoje excessivamente dependente da Argentina. Após meses de tramitação do projeto pelas instâncias técnicas do Focem, a liberação do dinheiro foi bloqueada quando chegou na etapa de manifestação final dos governos. A Argentina se recusa a votar o tema.

Os diplomatas do Mercosul comentam que a contaminação das decisões do Focem por critérios políticos é um golpe na credibilidade do fundo, criado para atender às queixas dos sócios menores contra as "assimetrias" de desenvolvimento no bloco. O governo brasileiro estuda alternativas para garantir ao Uruguai a realização da obra, que ligará a usina de Candiota, no Rio Grande do Sul, a San Carlos, no Uruguai.

Lula mencionou o projeto, ao saudar Tabaré Vásquez. Os dois governos assinaram memorando de entendimentos para definir, até maio, as condições de transmissão, pagamento, tributação e operação da futura interconexão energética.

O governo brasileiro se diz empenhado em garantir a conclusão da linha, até como forma de desfazer o mal-estar causado no passado, quando o Brasil foi neutro na disputa provocada pela agressiva reação da Argentina à construção de fábricas de papel na fronteira entre os dois países. Até hoje uma das pontes que liga os dois países vizinhos é bloqueada por manifestantes argentinos contrários às "papeleras".

O fim definitivo dos bloqueios é uma das pré-condições que os uruguaios informaram ao Brasil para que eles deixem de vetar a candidatura do ex-presidente Néstor Kirchner à Secretaria-Executiva do Mercosul.