Título: Algo errado com o câmbio?
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/03/2009, Opinião, p. A14

Desde o início do Plano Real, o nível da taxa de câmbio tem despertado intenso debate nos meios acadêmicos e empresariais. Ao longo de quase 15 anos, a discussão tem se concentrado ora no diagnóstico quase consensual da necessidade de desvalorização do real (1995-1998), ora nos impactos das desvalorizações sobre o nível geral de preços (1999, 2002 e agora na atual crise econômica). Esse texto propõe discutir o comportamento da taxa de câmbio do início do Plano Real até o final de 2008, localizando os principais momentos de apreciação ou depreciação da moeda nacional. O trabalho mostra, ainda, a construção de uma série histórica deflacionada da taxa de câmbio e sugere uma alternativa de correção dos efeitos da crise via esse instrumento.

De início considerado artificialmente sobrevalorizado, o câmbio cumpriu importante papel no controle dos preços e no choque de competitividade a que foram submetidos produtos brasileiros, não obstante a quase eliminação de setores industriais inteiros. Mais tarde, na medida em que as crises asiática e russa deram novos contornos à condução macroeconômica, o debate passou a se dar sobre a necessidade da desvalorização da moeda, algo que viria a ocorrer, de forma dramática, em janeiro de 1999. Com o câmbio flutuante instaurado, encerra-se a estratégia de crescimento com poupança externa e ancoragem cambial, surgindo um novo arcabouço de política econômica, consubstanciado num tripé composto pelo regime de metas de inflação, superávit fiscal, além do próprio câmbio flexível. Mas não paramos por aqui.

Em 2002, um novo episódio de excessiva desvalorização cambial acabou gerando impactos importantes sobre a inflação, levando o IGP-M à espantosa marca de 25% no ano. Os motivos da crise cambial, desta feita, assumiam contornos políticos, dado o temor dos mercados com uma possível vitória de Lula. Mais recentemente, antes da crise internacional, voltou à ordem do dia essa discussão do valor do câmbio. Uma grita geral do setor produtivo, bem como de acadêmicos mais à esquerda, pressionavam o governo com o argumento de que a forte apreciação ocorrida em 2007/2008 afetaria duramente as exportações, diante de relação de troca tão desfavorável. Nem tanto ao mar, nem tanto a terra: agora vivemos situação oposta, após a maxidesvalorização imposta pela celeuma global, que faz surgir, novamente, o medo da inflação por repasse cambial. Mas qual seria a melhor taxa de câmbio nesse novo contexto? Existe uma taxa "de equilíbrio", como sonhariam os neoclássicos mais ferrenhos, ou "razoável", como pediria o senso comum?

A crise atual é bastante diferente das acima citadas. Sua origem não foram economias emergentes ou a situação política de algum país. O furo agora é na esfera da economia mundial, e tem como estopim a pouca regulação dos mercados financeiros e a farra do crédito. Podemos estar diante de uma crise do próprio paradigma político-institucional. Ademais, existe um temor com relação ao futuro da maior economia do globo e de como ela irá lidar com as elevadas taxas de desemprego, deflação e crescimento econômico. Em nosso país, por seu turno, o que a crise parece ensejar é o esgotamento do modelo econômico de juros estratosféricos para manter a inflação sob controle.

Para incrementar essa problematização, introduzimos a discussão sobre o comportamento do câmbio nominal e real. O primeiro é o valor da moeda no mercado de trocas de câmbio. Já a taxa de câmbio real é a razão entre a quantidade de bens e serviços que um agente poderá adquirir domesticamente pela quantidade de bens e serviços que adquirirá no exterior. A fórmula de cálculo inclui o câmbio nominal vezes a razão entre as variações de preços domésticos pelo exterior.

De início, calculamos a taxa média de câmbio, a preços atuais, desde a publicação do Plano Real, em julho de 1994. Como se trata de um período de tempo extenso e inflação elevada em alguns momentos, o uso da taxa nominal não nos parecia ser fidedigno. Desse modo, optamos por uma análise via taxa real, atualizando as taxas nominais pela inflação medida pelo IPCA, descontando-se a inflação americana, expressa pelo CPI (Consumer Price Index).

Na figura, as linhas tracejadas representam os valores médios para cada série. Percebe-se que a taxa real média de R$ 2,41 é muito próxima dos níveis atuais. Considerando-se o conceito de taxa nominal, o valor médio seria de R$ 1,92, inferior ao que se está praticando hoje. Todavia, ao considerar o importante diferencial entre as taxas de inflação americana e brasileira, concluímos que a taxa real é um parâmetro que exprime com maior acurácia o comportamento do câmbio no período.

A constatação de que o nível atual do câmbio se aproxima da média histórica do período reforça a ideia de um relativo status quo da competitividade internacional dos produtos brasileiros nos últimos anos. Essa conclusão permite inferir a possibilidade de uma ampliação do recente movimento de desvalorização do real, especialmente quando se considera que o impacto sobre o nível de preços pode ser perfeitamente absorvido pela redução do nível de atividade ora em curso.

Nesse sentido, a questão passa a ser qual seria o limite canônico de uma eventual desvalorização. O cálculo do desvio-padrão da série aponta para uma variação de R$ 0,7 em torno da média. Assim, uma taxa de R$ 3,11 (média mais desvio-padrão) estaria estatisticamente dentro dos padrões aceitos, patamar próximo da média verificada em 2004, ano de crescimento elevado do PIB e taxa de inflação sob controle. Sendo assim, nossa sugestão é que a resposta estratégica do Brasil à crise deveria considerar experiências histórias recentes que demonstram a possibilidade de retomada do crescimento com taxas cambiais acima da média histórica do período e com inflação controlada. Desta forma, o BC poderia gradativamente reduzir a Selic para um patamar que contemple taxas reais abaixo de 6% ao ano., permitindo que o câmbio caminhe, de forma paulatina, numa trajetória mais favorável.

Alexandre Espirito Santo é diretor do curso de RI da ESPM-RJ, economista da Way Investimentos.

João Boaventura Branco de Matos é especialista em regulação da ANS, doutorando IMS/UERJ e professor de Economia da ESPM-RJ. * Colaborou Maurício Espasandim Miranda.