Título: Onda tecnológica
Autor: Nobre, Letícia
Fonte: Correio Braziliense, 16/02/2010, Economia, p. 10

Boom de cursos com duração de dois ou três anos comprova o interesse do mercado por profissionais especializados. Formação prática está em alta em áreas como gastronomia, automação industrial, análise e desenvolvimento de sistemas, e gestão de recursos humanos

Tendência: empresas abrem espaço para funcionários com habilidades menos generalistas e mais específicas

As mudanças das exigências do mercado de trabalho estão impulsionando os cursos de graduação tecnológica. Entre 2002 e 2008, a oferta dessa opção de formação superior em dois ou três anos avançou 584%. No mesmo período, os bacharelados e licenciaturas tiveram um acréscimo de 71% na quantidade de cursos. Os números representam a sede das organizações por profissionais cada vez mais capacitados e especializados que estejam focados na prática e menos nas teorias típicas da vida acadêmica. Em alta estão as áreas de gastronomia, automação industrial, análise e desenvolvimento de sistemas, radiologia e gestão de recursos humanos, cujos salários médios podem chegar a R$ 2,5 mil.

O levantamento do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC), divulgado no fim de novembro, mostra que as matrículas de futuros tecnólogos saltaram de 278 mil para 412 mil de 2006 para 2008, ou seja, 47,8%. Enquanto isso, houve uma ampliação de 8,6% do número de alunos interessados nas graduações ¿tradicionais¿. ¿As empresas querem contratar funcionários com uma formação menos generalista e mais específica. É uma tendência mundial. Por isso, os cursos de tecnologia têm uma explosão de demanda e os de bacharéis e licenciatura têm desacelerado¿, explica o secretário da educação tecnológica do MEC, Eliezer Pacheco.

Além da formação em menor tempo, a graduação tecnológica é conhecida pela constante atualização com as demandas do mercado profissional. ¿Os cursos de quatro ou cinco anos formam profissionais que já estão defasados em relação ao que é preciso saber para conseguir um bom emprego¿, lamenta Geovani Coelho da Silva, diretor de gestão da Tecnisys, empresa especializada em softwares livres. Dos 157 funcionários da empresa, cerca de 30% têm formação tecnológica. ¿O dinamismo da formação em menos tempo tem vantagens significativas¿, justifica. Segundo Geovani, em 2009, pelo menos oito profissionais foram admitidos com esse perfil. ¿Temos dois em cargos gerenciais e um consultor¿, completa o diretor.

Parte do reforço nos quadros da Tecnisys partiu de graduados em gestão de tecnologia da informação da Faculdade Senac (Fac Senac), uma das 29 instituições que oferece cursos de graduação tecnológica no Distrito Federal. ¿É um perfil em alta. Em alguns casos, os alunos são empregados antes mesmo de terminar o curso¿, comenta Flávia Silveira, diretora-geral da Fac Senac. Esse tipo de curso tem sido a saída tanto para jovens profissionais quanto para os que estão no mercado e precisam de qualificação ou mesmo reciclagem. ¿Os cursos tecnológicos têm as mesmas prerrogativas legais que os de bacharelado ou de licenciatura. Depois de formados, podem fazer mestrados, doutorados e especializações¿, explica Eliezer, do MEC.

Do montante de opções de cursos oferecidas, a maioria ainda está nas instituições particulares (86,63%), mas o governo federal quer ampliar a participação de 7,87% dessa fatia. Em 30 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia espalhados pelo país, há uma reserva de 10 mil vagas em cursos superiores de tecnologia aos estudantes que fizeram o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). A rede deve aumentar: hoje há 236 escolas que estão em funcionamento e 354 que devem ser inauguradas até dezembro.

Empreendedorismo As graduações tecnológicas também inspiram atitudes empreendedoras. Ana Paula Osório, 38 anos, é formada em ciência da computação e acaba de se graduar em design de moda. Parecem duas vertentes muito diferentes de trabalho, mas ela encontrou inúmeros pontos em comum. ¿Estou aplicando tudo o que aprendi e trabalhei com informática nos projetos de moda¿, diz.

A mudança de ares surtiu resultados rápidos para a estilista. Ela apresentou duas coleções no Capital Fashion Week ¿ evento de moda que revela novos talentos e destaca estilistas do Centro-Oeste ¿ e prepara a terceira participação. ¿Estou montando um ateliê e um escritório de projetos de design de moda¿, revelou a idealizadora da marca de roupas masculinas O¿sório.

A moda é uma tradição de família e um sonho que Ana Paula pode colocar em prática. Na opinião dela, os cursos de graduação em menor duração ocupam um espaço do mercado que estava carente de especialização e dinamismo. ¿Existem cursos que não têm como ser em dois ou três anos como direito ou medicina. Outros atendem bem às expectativas dos profissionais e do mercado¿, justificou a estilista.

É um perfil em alta. Em alguns casos, os alunos são empregados antes de terminar o curso¿

Flávia Silveira, diretora-geral da Fac Senac

Obstáculos persistem

Por muito tempo os tecnólogos enfrentaram preconceito em alguns segmentos, o que, na visão de Flávia Silveira, diretora da Fac Senac, é explicado pela falta de informação. ¿Ainda existem aqueles que acreditam que curso técnico é só de nível médio, essa ideia tem sido mudada rapidamente com a ampliação dos cursos de graduação tecnológica¿, explica. Na área de tecnologia da informação (TI) essa barreira foi quebrada há muito tempo, garante Geovani Coelho da Silva, diretor de gestão da Tecnisys. ¿Em TI não há preconceito. O mais importante não é como se conseguiu o conhecimento e sim como o aplica, como se mantém atualizado, isso sim é o diferencial competitivo.¿

Apesar dos dados positivos apresentados pelo Censo da Educação Superior do Ministério da Educação, a profissão de tecnólogo ainda não é regulamentada no Brasil. O Projeto de Lei nº 2.245, de 2007, do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), anda a passos lentos. Desde que foi apresentada, há três anos, não avançou além da Comissão de Trabalho, da Administração e Serviço Público da Casa. Depois disso, ainda deve seguir para as comissões de Educação e Cultura, Constituição e Justiça, e de Cidadania.

Enquanto a proposição se arrasta, alguns conselhos profissionais já reconhecem o trabalho desses profissionais. O Conselho Federal de Administração (CFA) divulgou, em novembro, uma resolução que normatiza o registro dos formados em áreas de gestão a exemplo do que já ocorreu com o Conselho Federal de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (Confea), que editou resolução semelhante no início do ano. ¿Há um preconceito cultural que está sendo quebrado¿, diz o professor Anderson Antônio Mattos Martins, do Iesb. ¿Em países como os Estados Unidos e outros tantos da Europa, o curso tecnológico representa mais de 50% das graduações¿, reforça. (LN)