Título: Sem FMI nem IOF
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2005, Brasil, p. A2
O governo não vai adotar medidas de controle do fluxo de capitais, seja através de um IOF sobre ingresso de dólares ou qualquer outra providência dedicada a forçar uma redução do volume ou mudança da composição do fluxo de recursos externos. Não pretende mudar a meta de inflação para este ano, pelo menos não por agora; e está praticamente decidido a não renovar o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Em no máximo duas semanas, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, anunciará a decisão sobre o acordo com o Fundo. Se não renovar, estará se comprometendo, pela primeira vez na história contemporânea, a perseguir por mais alguns anos metas de superávit primário nas contas consolidadas do setor público sem que o FMI esteja por perto. Será um bom teste. O entendimento dos economistas oficiais é de que o país vive uma situação temporária de alguma, mas marginal, valorização da moeda doméstica, medida pela taxa de câmbio real multilateral. Essa é uma apreciação natural, sintoma de mudanças estruturais importantes na economia brasileira e de um ambiente internacional amigável aos países emergentes. As exportações, avaliam, não reagem a movimentos temporários, e sim a percepções de movimentos permanentes. Tanto é assim, argumentam, que a grande maioria dos analistas está revendo para cima - para a faixa dos US$ 30 bilhões - a estimativa de superávit da balança comercial para este ano, mesmo diante da eventual valorização do real. A última estimativa do Banco Central, de dezembro, era de saldo comercial de US$ 25 bilhões. O próximo Relatório de Inflação poderá trazer, também, uma revisão dessa cifra. Cabe ao BC, portanto, aproveitar desse ambiente, que julga transitório, para melhorar a face do balanço de pagamentos e recompor reservas cambiais. E não será surpresa se, em dois meses, mediante a colocação sistemática de "swaps invertidos", na base de US$ 2 bilhões ou mais por semana, o país perceber o que parecia, há dois anos, inimaginável: que a dívida interna atrelada à taxa de câmbio desapareceu. Em fevereiro, a dívida interna indexada ao dólar - que no auge da crise de 2002/2003 chegou a bater em 45% do estoque total - era de apenas US$ 13,36 bilhões. Ou seja, um dos principais fatores de vulnerabilidade externa do país está por sumir. A área econômica do governo não acredita na eficácia de medidas de controle do fluxo de capitais. Técnicos bastante qualificados citam, como argumento, textos da literatura recente sobre os efeitos da "quarentena" no Chile (como o de Sebastian Edwards, José De Gregório e Rodrigo Valdés); e a análise minuciosa, elaborada pelos economistas Ilan Goldfajn e Eliana Cardoso, no documento "Fluxo de capitais para o Brasil: a endogeneidade do controle de capitais", sobre as medidas nessa direção tomadas pelo governo brasileiro do início dos anos 80 para cá. E anteontem, a Colômbia anunciou que, em seis meses, revogará a obrigatoriedade de os investidores externos de manterem recursos no país por um ano. Tal medida, fixada há dois meses, teria sido inútil.
Governo pode zerar dívida cambial até abril
No Chile, caso mais estudado, os controles foram introduzidos em 1991 e duraram até 1998. De início, a "quarentena" envolveu 20% de todo o ingresso de empréstimo externo (o que ficou conhecido como "exigência de reserva não remunerada"). Depois de aumento para 30% em 1992, o percentual foi reduzido a zero em 1998. A esse mecanismo foram associadas regras de controle da saída de investimentos (diretos e de portfólio). As restrições foram adotadas para que o governo chileno pudesse manter o controle sobre a política monetária e evitar a apreciação cambial. No estudo do chileno Sebastían Edwards (ex-Banco Mundial), elaborado em parceria com os economistas De Gregorio ( Universidade do Chile) e Valdés (Banco Central do Chile), intitulado "Controles sobre o ingresso de capital: será que funcionam?", os autores indicam que houve mudança no perfil da composição da dívida externa, favorável ao capital de mais longo prazo. Mas o custo do capital, no país, aumentou. Goldfajn e Cardoso concluem que os mecanismos de controle de capitais tendem a ser eficientes por um prazo curto, em torno de seis meses. Depois disso, perdem eficácia. Os economistas do governo não identificam equívocos na gestão da política macroeconômica, do tipo: a meta de inflação está apertada demais, os juros têm que ir às alturas, o que atrai mais capitais, valoriza o real e faz despencar as exportações. O que há são escolhas políticas, garantem. Para uma dada meta de inflação, se o governo decide aumentar o gasto público terá que considerar inexorável a elevação da taxa de juros. Juros, portanto, são mera consequência dessas escolhas. Ou seja, a política fiscal pode ajudar a monetária a cumprir a meta de inflação. Mas se não for usada para ajudar, a meta, será perseguida da mesma forma. E não adianta tentar acomodar as coisas com uma elevação da meta, avisam economistas do governo. Isso significará apenas que, para uma meta de inflação mais elevada, o esforço da taxa de juros será o mesmo ou até maior, para trazer as expectativas para dentro da nova meta. Se a macroeconomia está correta. Se o balanço de pagamentos passou por uma mudança estrutural espetacular. Se o BC está engordando as reservas cambiais e tende a eliminar a dívida interna indexada à taxa de câmbio. Se a inflação está caminhando para as metas e a economia teve, ano passado, a maior taxa de crescimento (5,2%) dos últimos dez anos, por que, então, renovar o acordo com o FMI? A rigor, alguns dos principais assessores da área econômica alegam que uma prorrogação ou renovação do acordo seria de difícil explicação, pois as razões pelas quais um país recorre ao Fundo (crise de balanço de pagamentos), hoje inexistem no Brasil. Basta manter boa relação com o FMI, as missões técnicas virem ao país avaliar a situação conforme previsto no estatuto do FMI, e pronto. O ganho de andar sozinho, depois de tantos anos, poderá ser medido em alguns bons pontos de redução do prêmio de risco, avaliam essas fontes.