Título: Ministro ameaça lacrar sinal digital da TV Cultura
Autor: Rittner, Daniel
Fonte: Valor Econômico, 13/03/2009, Política, p. A11

Uma queda-de-braço entre o Ministério das Comunicações e a Fundação Padre Anchieta pode causar um curto-circuito nas relações cordiais mantidas entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o governador de São Paulo, José Serra (PSDB). O ministro das Comunicações, Hélio Costa (PMDB), ameaçou lacrar as transmissões digitais da TV Cultura se a emissora não interromper, nos próximos dias, a multiprogramação que estreou no domingo.

Costa demonstrou contrariedade com o presidente da fundação, Paulo Markun, com quem disse ter conversado duas vezes nesta semana. O ministro pediu a ele o desligamento de dois canais da TV Cultura, que só podem ser captados por quem já possui o conversor de televisão digital.

A nova tecnologia permite a transmissão simultânea de até quatro canais no mesmo espectro, mas o ministério justifica a possível intervenção pelo fato de que até agora esse sistema não foi regulamentado. No domingo, a Cultura inaugurou o Multicultura, um canal que oferece o estoque de documentários e programas educativos da emissora. Na segunda-feira, colocou no ar a TV Univesp, para dar suporte aos cursos de graduação da universidade virtual criada por Serra.

Em um jantar na quarta à noite, organizado pelas operadoras de telefonia celular, o ministro disse que Markun informou não ter condições de retirar a multiprogramação do ar. "É uma intransigência totalmente desnecessária", criticou Costa, que negou motivação política com a advertência. "Se necessário, eu vou até ligar para o governador José Serra. Será a última tentativa."

De acordo com o ministro, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) deverá lavrar um auto de infração. Com base nele, fiscais da agência poderão ir às instalações da TV Cultura, acompanhados da Polícia Federal, e lacrar os transmissores digitais. Costa esclareceu que o sinal principal da emissora não será afetado pela retirada dos dois canais recém-inaugurados.

O Valor apurou que a postura do ministro causou perplexidade na Fundação Padre Anchieta, sobretudo pelo fato de a multiprogramação não ter caráter comercial e fazer parte de um projeto educacional. Por meio de sua assessoria, no entanto, a emissora se limitou a dizer oficialmente que está avaliando o assunto do ponto de vista jurídico e não quis entrar em polêmica com Costa.

Segundo o ministério, a postura da TV Cultura está em dissonância com norma baixada em 27 de fevereiro. Uma portaria regulamentou, em caráter experimental, a multiprogramação em tevês públicas federais - TV Brasil, TV Justiça, TV Senado e TV Câmara. As emissoras comerciais e públicas estaduais não foram incluídas. "Ela (a TV Cultura) terá que se enquadrar dentro daquilo que foi determinado para todas as emissoras brasileiras, exceto as tevês públicas", afirmou Costa.

O ministro disse que a emissora poderia ter evitado problemas pedindo autorização para fazer multiprogramação, "em caráter experimental e científico". Fontes da fundação asseguraram que pedido similar foi feito há cerca de um ano e não teve resposta. Diante da ameaça do ministro, porém, a emissora enviou uma nova solicitação. A expectativa, tanto em São Paulo quanto em Brasília, é que isso abra caminho para uma autorização e evite constrangimentos para Lula e Serra, mantendo-os afastados de uma questão técnica.