Título: Linha sucessória diferente
Autor: Bernardes, Adriana
Fonte: Correio Braziliense, 16/02/2010, Cidades, p. 22

A Lei Orgânica inclui o vice-presidente da Câmara Legislativa entre os nomes possíveis para ocupar o GDF. Especialistas questionam a norma

A instabilidade política no Distrito Federal pós-Operação Caixa de Pandora ganha novos contornos a cada dia. O governador em exercício Paulo Octávio (DEM), além de citado no inquérito que investiga o suposto esquema de corrupção no Executivo e no Legislativo locais, tem contra si quatro pedidos de impeachment na Câmara Legislativa. E nesta quinta-feira, os parlamentares decidem se vão processar o governador licenciado, José Roberto Arruda (sem partido).

Em uma hipótese de impedimento ¿ seja por renúncia ou cassação ¿ tanto de Arruda quanto de Paulo Octávio, a Câmara Legislativa deveria colocar em prática o que determina a Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF). Imediatamente na linha sucessória (veja quadro ao lado) está o presidente da Casa, deputado Wilson Lima (PR), eleito no último dia 2. Mas, até chegar a esse ponto, é provável que haja uma verdadeira batalha nos tribunais.

Isso porque a Lei Orgânica do DF inclui o vice-presidente da Câmara Legislativa na linha sucessória. No caso, Cabo Patrício (PT) assumiria o governo se Wilson Lima renunciasse ou não aceitasse o posto de chefe do Executivo local. Normalmente, nos estados, na impossibilidade de o presidente da Assembléia Legislativa tomar a frente do Executivo, a sucessão vai direto para o presidente do Tribunal de Justiça. Além dessa diferença, a Lei Orgânica fixa que, se os cargos de governador e vice ficarem vagos no último ano do mandato, o sucessor assume até que os novos eleitos tomem posse.

Os dois pontos divergem da Constituição Federal. A Carta Magna não prevê a possibilidade de os vice-presidentes do Câmara dos Deputados ou do Senado assumirem a função de presidente da República. E determina a realização de eleição indireta ¿ a ser organizada pelo Legislativo ¿ no prazo de 90 dias após a vacância do último cargo (veja Arte acima).

Especialistas ouvidos pelo Correio lembram que a Constituição é suprema e, por analogia ao que está previsto em âmbito federal, o vice-presidente da Câmara não deveria fazer parte da linha sucessória no Buriti. Além disso, concordam que, se houver impeachment ou intervenção no DF, os distritais deveriam promover a eleição do novo chefe do Executivo. Em tais situações, porém, seria preciso contestar as regras locais no Poder Judiciário.

Outro assunto que obrigará os advogados a se debruçarem sobre a legislação é a legitimidade de um processo de impeachment contra Paulo Octávio. Para Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado do governador em exercício, não há respaldo na lei para o impedimento de Paulo Octávio. Além disso, o advogado reitera que existe um parecer da Procuradoria Jurídica da Câmara Legislativa que já excluiu Paulo Octávio de todos os processos protocolados contra Arruda.

¿Ele (Paulo Octávio) só pode responder por seus atos enquanto governador. Ele é apenas citado no inquérito. O que existe até agora é a palavra daquele cidadão¿, defende. O cidadão a que se refere o advogado é Durval Barbosa, ex-secretário de Relações Institucionais do governo e pivô das denúncias de suposto esquema de pagamento de propina.

Professor de direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o advogado Igor Mauler Santiago também entende que o vice-governador não pode ser alvo de impeachment. Diz que a Lei Federal nº 1.079/50, que trata desse processo, cita apenas o presidente, os governadores e os prefeitos. ¿Entendo que o impeachment é contra quem está exercendo mandato de chefe do Executivo. Se ele (Paulo Octávio) não cometeu ato ilegal após assumir o cargo, não vejo por que tirá-lo da função¿, afirma.

Mas o conselheiro da Ordem dos Advogado do Brasil (OAB) Cláudio de Souza Neto discorda. No entendimento dele, o vice-governador pode, sim, ser processado pela Câmara. Souza Neto recorre ao Artigo 52 da Constituição para sustentar seu argumento: ¿Esse artigo define a competência do Senado Federal para julgar o presidente e o vice-presidente pelos crimes de responsabilidade. Por simetria, o mesmo se aplica aos estados e ao Distrito Federal¿.

Direitos

Se a Câmara Legislativa decidir abrir um processo de impeachment contra Paulo Octávio e contra o governador licenciado José Roberto Arruda (os pedidos ainda passam por avaliação de sua admissibilidade), deverá adotar os mesmos ritos do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello (leia Para saber mais). Assim sendo, Arruda e Paulo Octávio teriam a opção de renunciar ao cargo antes da abertura do processo, para não correrem o risco de serem condenados e perderem, além do mandato, os direitos políticos por oito anos.

O advogado Paulo Castelo Branco não vê respaldo na lei para que a Câmara promova o impeachment de Paulo Octávio. ¿Tudo isso é muito novo também para nós, advogados, mas eu não vislumbro essa possibilidade¿, diz. Mas, no caso de Arruda, em que Castelo Branco considera haver base legal, ele avalia que só existem duas possibilidades para que o impeachment não ocorra: a Câmara votar contra a abertura do processo ou o governador afastado renunciar ao cargo antes da sessão que vai decidir o caso. ¿A renúncia é decisão unilateral. Se ele deixa de ser governador, o processo de impeachment fica inviabilizado¿, comenta.

A vantagem da renúncia, segundo Castelo Branco, seria preservar os direitos políticos de Arruda. A desvantagem seria a perda do foro privilegiado ¿ sem o privilégio, ele hoje iria para a Papuda(1). Se for aberto processo criminal, o julgamento ocorreria na Justiça comum.

1 - Comparação Na ala federal do Centro de Detenção Provisória na Papuda, estão cinco homens detidos acusados de participação na suposta tentativa de suborno ao jornalista Edmilson Edson Santos, o Sombra. Eles ficam em celas separadas, de 10 metros quadrados cada uma, e têm direito a uma hora de visita por semana. O governador afastado está detido no Complexo da PF, no Setor Policial Sul. Dorme em uma sala de 40 metros quadrados e pode receber visitas diariamente, das 8h às 18h.

Para saber mais Decisão histórica

Em 1992, o Senado Federal processou o então presidente Fernando Collor de Mello e o condenou a ficar oito anos sem poder exercer seus direitos políticos, como votar ou ser candidato. Na tentativa de evitar o impeachment, os advogados de defesa entregaram a carta de renúncia de Collor, na manhã em que os parlamentares votariam a cassação do mandato. Houve um amplo debate sobre o prosseguimento ou não da votação. A conclusão foi de que o ato da renúncia não seria suficiente para encerrar o processo de impeachment. Como não havia mais a necessidade de afastar o presidente do cargo, o Senado o condenou à perda dos direitos políticos por oito anos. A decisão contou com 441 votos favoráveis (eram necessários 336), 38 contrários, 23 ausências e uma abstenção. A condenação foi ratificada depois pelo Supremo Tribunal de Justiça, em reposta a questionamento da defesa de Collor.

Sucessores prováveis Adauto Cruz/CB/D.A Press - 14/2/10

Se o governador José Roberto Arruda deixar o cargo definitivamente ¿ renunciando ou sendo cassado em processo de impeachment pela Câmara Legislativa ¿, deverá ser obedecida a linha de sucessão prevista em lei. Veja quem pode ocupar o cargo, de acordo com a Lei Orgânica do DF

1º - Paulo Octávio (DEM) Vice-governador

É o primeiro na linha de sucessão. Empresário do ramo da construção civil, fundou, em 1975, a PauloOctavio Investimentos Imobiliários. Casado com Anna Christina Kubitschek, neta do ex-presidente da República Juscelino Kubitschek. É formado em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). Fundador do Diretório Regional do DEM no DF. Ao assumir como governador interino, na sexta-feira passada, afastou-se da presidência do DEM no DF.

Carlos Moura/CB/D.A Press - 3/2/10

2º - Wilson Lima (PR) Presidente da Câmara Legislativa

É o segundo na linha sucessória. Está no segundo mandato como deputado, tendo ocupado uma cadeira como suplente entre 2003 e 2006. Tem o ensino médio completo e é goiano da cidade de Ceres. Chegou à presidência da Câmara no último dia 2, conduzido pela então bancada de apoio a Arruda, logo após Leonardo Prudente (sem partido) renunciar ao cargo.

Iano Andrade/CB/D.A Press - 1/12/09

3º - Cabo Patrício (PT) Vice-presidente da Câmara Legislativa

Pela Lei Orgânica, é o terceiro na linha de sucessão. Sidney da Silva Patrício foi soldado e cabo da Polícia Militar do DF. Cumpre o primeiro mandato como deputado distrital e está cursando Ciências Políticas. Foi integrante da Comissão de Segurança e da Comissão de Assuntos Fundiários da Câmara Legislativa no período 2007-2008. É oposição ao governo local.

Paulo H. Carvalho/CB/D.A Press - 26/3/09

4º - Desembargador Nívio Geraldo Gonçalves Presidente do TJDFT

É o quarto na sucessão, caso prevaleça o que estabelece a Lei Orgânica. Seu mandato vence em abril, quando será substituído pelo desembargador Otávio Augusto Barbosa, eleito por unanimidade no último dia 9.