Título: "Núcleo duro" do PP divide poder com Severino
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2005, Política, p. A8

Em conversa recente no Planalto, um assessor de Lula queixava-se de que, para chegar a Severino Cavalcanti, precisava antes passar por Pedro Correia e José Janene. Na Câmara pós-PT, na realidade, todos os caminhos levam a Severino, mas alguns deles levam mais rapidamente que outros. São os chamados "homens do presidente", um punhado de deputados em geral ignorado pela elite congressual que apostou no azarão e agora com ele divide o poder. Correia, que preside o PP, e Janene, líder da bancada na Câmara, são dois desses atalhos. O terceiro, e mais importante, é Ciro Nogueira (PP-PI), um deputado de 36 anos que Severino, de 74 anos, acolheu como uma espécie de filho adotivo. Correia e Janene têm uma biografia que remete às piores práticas fisiológicas; Ciro foi um dos raros deputados que sobreviveram à CPI do Futebol sem comentários maledicentes sobre a sua atuação. Em comum, o que caracteriza o "núcleo duro" de Severino é uma atuação parlamentar que procura tirar o máximo de proveito do governo, seja ele qual for. Foi assim com Fernando Henrique Cardoso, está sendo assim com Luiz Inácio Lula da Silva. É a marca do PP: em dois anos de Lula, o partido esteve com o presidente em 62% das votações na Câmara. Ainda não tem um ministério, o que deve ocorrer na próxima semana, mas levou em troca cargos nos segundo e terceiro escalões de órgãos como o Ministério da Saúde. Catarina Amélia, mulher de Severino, costuma dizer que "ninguém manda em marido no qual a mulher não manda". Mas as primeiras medidas de Severino na presidência da Câmara revelam um mestre na arte pepista de criar dificuldades para vender facilidades. O governo esperava que ele enviasse para o arquivo o pedido de licença para a Câmara processar Lula por crime de responsabilidade, feito pelo PSDB. Às vésperas de uma reforma ministerial na qual o PP reivindica mais espaço, o presidente da Câmara postergou sua decisão. Foi um recado a Lula. No último fim de semana, o grupo ligado a Severino articulou mais um recado para Lula: um encontro dele com Fernando Henrique, em São Paulo, que só não ocorreu porque o ex-presidente não estava na cidade, mas em Itaipava. Oficialmente, o encontro seria para demonstrar que Severino, seu grupo e o PP estão neutros. Na prática, seria mais uma volta no parafuso da pressão sobre o governo. Ao se queixar de que, para chegar a Severino, era preciso passar antes por Correia e Janene, o assessor palaciano na realidade recorria a uma metáfora. Correia e Janene são institucionalmente os porta-vozes dos pleitos do PP, agora maiores. Janene é o exemplo acabado da postura do partido: ele era e é o "homem do Zé Dirceu" - o chefe da Casa Civil - na legenda. Mas não hesitou um minuto ao perceber que Severino, aproveitando-se da divisão do PT e do desgaste do governo entre os deputados, poderia se eleger presidente da Câmara. Na madrugada da eleição, Dirceu ligou para Janene, cobrou fidelidade e ameaçou retaliações. No dia seguinte, o deputado limitou-se a comentar com uma das testemunhas da conversa que o "ministro estava um pouco alegre demais". Fizeram as pazes, mas um dos afilhados de Janene no governo já perdeu o cargo. Pouco mais de um mês antes da eleição, Fernando Henrique telefonou para Severino Cavalcanti. O deputado sabia que o ex-presidente não apostava um centavo em sua candidatura, mas registrou o gesto. A exemplo dos demais partidos, o PP também é um partido dividido. Além do "núcleo duro", Severino tem ouvidos especialmente atentos para um ex-ministro de FHC: Francisco Dornelles. Em matérias econômicas, são ele e Delfim Netto as bússolas de Severino. Dornelles, aliás, é uma das justificativas que a turma de Severino dá para o fato de ele não ter mandado arquivar o pedido de abertura do processo de impeachment contra Lula. O PP fez uma blindagem partidária em torno de Severino. Ele próprio, há alguns dias, dizia ter consciência de que ficara "importante", mas não sabia exatamente "quanto". Sabia que deixara de ser figura secundária no PP e passara a ter voz ativa na indicação de ministro e nos rumos do partido. O quanto, só vai descobrir na prática. Na primeira pauta de votações que propôs, armou várias armadilhas para o Planalto: a "PEC paralela" da Previdência e o aumento de 1% no repasse do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), item da reforma tributária que pode custar R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos. Severino insiste que os projetos serão votados, queira ou não o Palácio do Planalto. É provável que, no final, o PP vote como sempre tem votado - como o governo quer. Basta que o governo pegue o atalho formado por duas vias chamadas Pedro Correia e José Janene.