Título: Salários abrem crise entre Câmara e Senado
Autor: Maria Lúcia Delgado
Fonte: Valor Econômico, 04/03/2005, Política, p. A8

A relação entre Câmara e Senado voltou a se deteriorar depois que o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), não conseguiu cumprir sua promessa de campanha e equiparar os salários dos parlamentares ao subsídio de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o que representaria um reajuste de 67%. Irritados com o comportamento do presidente do Senado, Renan Calheiros, que se recusou, por orientação dos líderes, a assinar um ato conjunto das Mesas Diretoras para elevar os salários de R$ 12,8 mil para R$ 19,1 mil, os aliados de Severino foram para o ataque e começaram a questionar a falta de transparência na Casa ao lado. A presidência do Senado deu munição às críticas, ao não divulgar para a imprensa as vantagens às quais os parlamentares têm direito. "A imprensa e a sociedade precisam conhecer quais são os privilégios do Senado. O Senado tentou imputar uma avaliação negativa à Câmara, e isso é uma mentira. Fica parecendo que o Senado é o céu e a Câmara o inferno, só que os privilégios que o Senado tem a Câmara não tem", disparou o líder do PP na Câmara, José Janene (PR), amigo próximo de Severino. O PP também decidiu dificultar ao máximo a votação da Medida Provisória 232, que reajustou a tabela do IR e aumentou a tributação de prestadores de serviço e da agroindústria. "Não vamos votar aumento de imposto. Não há hipótese. Só tentaremos salvar a correção da tabela", disse Janene, negando que se trata de uma reação contra o governo por conta do desgaste da imagem de Severino.

Numa primeira reação, Severino avisou aos deputados que não se empenhará por aumento salarial nos próximos dois anos. Em seguida, abriu brechas para mudar de idéia. "Não posso prever o que vai acontecer daqui a um ano. Terei que agir com ponderação. Não posso satisfazer o meu ímpeto", disse. Sobre a votação do projeto de decreto legislativo que eleva de R$ 35 mil para R$ 45 mil a verba de gabinete, Severino informou que não vai tomar uma decisão agora. A Câmara ainda terá que decidir que rumo dará ao projeto de lei que eleva os subsídios dos ministros do Supremo de R$ 19,1 mil para R$ 21,5 mil neste ano e R$ 24,5 mil em 2006. O projeto precisa ser analisado em três comissões. Para ser votado no plenário sem parecer, é preciso aprovar o regime de urgência, o que exige 257 assinaturas. Por enquanto, não há clima para votá-lo com urgência, apesar de os governistas defenderem a proposta. "Esse projeto vai ter que ser votado, porque não se trata apenas de reajuste para os ministros do Supremo, mas de fixação do teto do funcionalismo público. Se não votarmos, a rigor, ficamos sem teto", justificou o vice-líder do governo na Câmara, Beto Albuquerque (PSB-RS). "Se a sociedade não reagir negativamente ao teto no Supremo, vamos votar. Se houver reação da sociedade, repensamos", avisou o líder do PP na Câmara. O PP organizou ontem um almoço, na residência oficial da Câmara, em homenagem ao presidente da Casa. "O presidente não sai diminuído desse episódio", disse Janene. Segundo os aliados do presidente da Câmara, em nenhum momento Renan Calheiros, nas reuniões com Severino, protestou contra o aumento. O gesto do senador, de dizer à imprensa que não aceitaria a proposta da Câmara, foi interpretado pelos deputados como uma manobra para desgastar apenas Severino. "Nós avisamos ao presidente da Câmara para não confiar no Renan. Mais de 100 deputados disseram isso a ele", confidenciou um deputado com trânsito na presidência da Câmara. "Não tenho nada que ver com o presidente do Senado. A posição dele é uma e a minha é outra. Cada um tem sua maneira de agir. Eu ajo respeitando os outros. Não agiria assim como ele (Renan) fez", disse Severino ontem. O presidente da Câmara disse ainda que Renan Calheiros "pode precisar" de expor uma imagem positiva, de "bonzinho". "Eu não preciso", acrescentou. Do outro lado, Renan Calheiros também reagiu: "Não dá para o Senado empurrar nada goela abaixo da Câmara, nem vice-versa", disse. Os deputados - sobretudo os que integram o chamado baixo clero - argumentam que, se houvesse transparência, ficaria claro que o orçamento do Senado pode superar o da Câmara. Os senadores podem ter nos gabinetes 11 funcionários comissionados e 9 do quadro efetivo (com salários variados), enquanto na Câmara é fixado um teto de R$ 35 mil para contratações. Além disso, todos os 83 senadores têm direito a uso ilimitado de telefone e a carros oficiais com motorista, o que não ocorre na Câmara. Os parlamentares também têm seguro saúde vitalício no Senado, reclamam os deputados. Os gastos de senadores com saúde, no Brasil ou no exterior, são todos reembolsados. De fato, o acesso a esses dados na Câmara é bem mais fácil que no Senado. Na gestão de João Paulo Cunha na presidência da Câmara começou a ser divulgado pela internet os gastos das viagens dos parlamentares. Ao tomar conhecimento da reação da Câmara contra o Senado, Renan Calheiros tentou amenizar a crise. Disse que o Senado não se recusou conceder o reajuste por ato das Mesas para tirar proveito de imagem. "É fundamental harmonizar a relação das duas Casas. Meu papel é esse, de estabilizador", justificou. "Não votaria absolutamente nada que não tivesse conexão com a realidade do país. Disse (ao Severino) que conversaria com os líderes, e que nós não apoiaríamos nem aquela nem outra proposta sem a decisão da maioria do Senado", explicou-se o presidente do Senado. Ele anunciou ainda que em 15 dias apresentará um plano de corte de despesas, cuja meta é reduzir os gastos em R$ 30 milhões.