Título: Cartel tem primeira ação criminal
Autor: Cristine Prestes e Fernando Teixeira
Fonte: Valor Econômico, 09/03/2005, Legislação & Tributos, p. E1

Está em curso na Justiça brasileira a primeira ação penal por crime de formação de cartel. Doze dirigentes, sócios e representantes legais do Sindicato da Indústria de Mineração de Pedra Britada do Estado de São Paulo (Sindipedras) e a própria entidade são réus em um processo que tramita na 27ª Vara Criminal do Judiciário de São Paulo. Ele está sendo avaliado como um "leading case" - principal precedente da jurisprudência sobre um tema - e é o resultado de uma atuação mais incisiva da Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça no combate à cartelização no país. A ação penal é, até agora, a última etapa de um conjunto de medidas que teve início em julho de 2003, quando técnicos da SDE, agentes da Polícia Federal, representantes da Advocacia-Geral da União (AGU) e oficiais de Justiça realizaram, a partir de uma denúncia anônima, uma ação de busca e apreensão na sede do Sindipedras às vésperas da realização de uma licitação. Foi apreendida uma série de documentos que resultaram em um processo administrativo de 12.500 páginas em 56 volumes e que, segundo o parecer da SDE, comprova a formação de cartel. Os dirigentes do Sindipedras são acusados de formação de cartel no setor de pedra britada com o objetivo de controlar o mercado da produção, preços e vendas do produto. O processo administrativo foi enviado ao Ministério Público de São Paulo, que, após investigações, ofereceu denúncia ao juiz Cassiano Ricardo Soares, da 27ª Vara Criminal. O Sindipedras e outros três dirigentes entraram com um habeas corpus no extinto Tribunal de Alçada Criminal para suspender a ação, sob a alegação de que na denúncia o Ministério Público não detalhava os crimes cometidos por cada um dos réus. Negado, o recurso foi remetido ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), que na semana passada deferiu parcialmente o pedido de liminar e suspendeu somente o indiciamento dos dirigentes do Sindipedras, mantendo a ação penal. O advogado José Luis de Oliveira Lima, que defende o Sindipedras e os três dirigentes no processo penal, afirma que aguarda apenas a publicação da decisão do STJ para recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) com o mesmo pedido, o que deve ocorrer em cerca de 30 dias. Segundo ele, o Ministério Público foi precipitado ao oferecer a denúncia, pois não individualizou a conduta delituosa de cada um dos envolvidos. "Não há formação de cartel nenhum", afirma. Se a ação penal for mantida também no Supremo, o depoimento dos réus, que havia sido marcado para agosto do ano passado e logo depois suspenso, deve ocorrer no mês de junho. O processo penal é o primeiro que se tem conhecimento no Brasil sobre formação de cartel - prevista na Lei nº 8.137, de 1990, que define crimes contra a ordem econômica e contra as relações de consumo. De acordo com o advogado Antonio Garbelini Junior, especialista da área de concorrência do escritório Siqueira Castro Advogados, há hoje várias investigações de formação de cartel em andamento na SDE e ações cíveis em tramitação na Justiça, mas nenhuma penal. "A tendência é de crescimento na esfera criminal, pois há uma concentração de esforços contra este tipo de infração", afirma. A Lei nº 8.137, no capítulo dos crimes contra a economia e as relações de consumo, estabelece que a formação de acordos para fixar preços ou quantidades ou controlar o mercado ou as redes de distribuição e fornecedores está sujeita a pena de reclusão de dois a cinco anos ou multa. Na esfera administrativa, o processo concluído pela SDE, com parecer favorável à condenação do Sindipedras e de seus dirigentes pela prática de cartel, foi remetido ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e já distribuído a um relator, mas ainda não há previsão de julgamento. O advogado Pedro Zanotta, do escritório Albino Advogados, que defende o Sindipedras no processo administrativo, diz que o caso está sendo usado como exemplo de combate à cartelização justamente por ser um "leading case". Ele diz ainda que a entidade nega as acusações de formação de cartel e diz que apenas produzia estatísticas para gerar informações confiáveis ao mercado, e não para praticar ilícitos. Segundo a diretora do Departamento de Proteção e Defesa Econômica da SDE, Barbara Rosenberg, o cartel das britas é um "leading case" não apenas em relação à responsabilização criminal por formação de cartel, mas também em relação aos novos procedimentos adotados pela secretaria a partir de 2003. Antes, a SDE mantinha uma postura passiva na obtenção de indícios de formação de cartéis - as próprias empresas deviam fornecer informações que comprovassem sua culpa, o que inviabilizava qualquer sucesso nas investigações. A nova gestão da SDE adotou metodologias pouco familiares ao processo administrativo, como operações de busca e apreensão e uso de escutas telefônicas. Essas práticas implicam na atuação em conjunto com a Polícia Federal e com o Ministério Público e o envolvimento da Justiça. Isso porque somente dentro do processo judicial é possível pedir quebra de sigilo telefônico e busca e apreensão. Hoje a secretaria conta com dezenas de convênios com o Ministério Público Federal e de vários Estados. As informações obtidas no processo administrativo são compartilhadas com os procuradores para a abertura de um inquérito, pelo qual surgem novos dados que, por sua vez, auxiliam no processo administrativo. De acordo com Barbara Rosenberg, além das questões jurídicas envolvidas, a participação da polícia e do Ministério Público também ajuda com um conhecimento prático sobre investigações que os técnicos da SDE não têm.